Tapetão, cotas de TV desiguais, Neymar cantor. Jogo às 22h, chuva, frio, cimento e, o que é pior, nada de cerveja. Brigas, flanelinha, ingresso caro. Pipoca fria, Coca sem gás, bife com nervo. Banco de madeira, urinol na parede, ônibus que acaba a linha cedo. Mil pessoas, duas mil, três mil quando muito. Quarenta mil quando tanto. Pênalti mal marcado, não marcado, gol mal anulado, gol perdido. Mulher emburrada, filme bom no mesmo horário, viagem no dia errado. Uniforme caro, camisa pirata. Dirigente que só pensa em dinheiro. Dirigente que só pensa em eleição. Freguesia, derrotas consecutivas, rebaixamento, vice-campeonato.
Por que diabos paramos nossas vidas toda quarta e domingo para ver futebol?!

Você sabe a resposta
Futebol não tem absolutamente nada a ver com vitórias. Não tem a ver com conforto, nem com segurança (mas devia, já que cobram bem pelo espetáculo), muito menos com moda ou esvaziamento. Também não é apenas e tão somente uma opção de lazer. Infelizmente ficou caro, justamente por que virou negócio – negócio que curiosamente não valoriza tanto o cliente.
Futebol é transmissão de valores. É a camisa, é o abraço no pai, no avô, no irmão, no filho e, ainda bem que nos últimos anos isso tem acontecido, em todas a mulheres que nos cercam. É craque improvável, a música ridícula que você só gosta na versão da sua torcida. É chuva, frio, cimento, 22h, 19h30, 11h, 2h30 da manhã no VT na tela com os amigos e cerveja – quanto mais, melhor. É pedir carona, pegar o táxi ou o Uber e bater um papo com o motorista sobre o craque que chegou ou mesmo o que foi. É chegar em casa beijando mulher e cachorro por que o time ganhou. Por que empatou depois de estar levando 0 a 2. Por que marcou um golaço. É a bandeira, que não tem preço, que te representa. Que te faz torcer para o (SEU TIME AQUI) por que somos-assim-e-assado. É dar uma sonora vaia nos inescrupulosos que só querem faturar em cima disso. Rimar o nome deles com canalha, com bambu. É desafiar o amigo após 15 derrotas seguidas para o time dele, garantindo que da próxima não passa, e renovar absurdamente a esperança após o improvável 1 a 0 no jogo seguinte.

Não é só com a gente
Tem uma verdade por trás disso: não somos especiais. Tô nessa há muitos anos, primeiro como torcedor que já foi de organizada, depois como profissional de imprensa, que procura manter a distância em tudo que faz, mas sem perder a ternura – cabe dizer aqui que o melhor jeito de ser imparcial não é não torcer para ninguém; é saber que o outro torce tanto quanto você e merece o mesmo respeito. O trabalho te distancia da paixão, os amigos te reaproximam. O torcedor fiel e unicamente do Iraty tem a mesma paixão, acredite, que os milhares de fãs do Real Madrid pelo Mundo – a mesma do madrilenho mais ferrenho. Estive na Venezuela: pais levavam as crianças para ver baseball com toda a indumentária de seus clubes. Nos EUA, na NBA: idem – só que mais civilizados, não agridem, apenas provocam. Vi Clippers vs. Celtics com torcedores do Lakers em meio a eles. Na Argentina, na Irlanda, na Inglaterra, no Uruguai: todos iguais. Do River argentino ao River uruguaio, do Bohemians ao Manchester United. Você, atleticano, coxa-branca, londrinense ou paranista – ou qualquer outro que me dê a alegria dessa leitura, saiba: vocês são todos iguais. Só que diferentes entre si. Eu também sou um de vocês.

Rodada
Acabou tarde. Não deu pra ver quem ganhou e quem perdeu. Mas, depois de tudo isso, pergunto: importa?

Napoleão de Almeida é narrador esportivo e jornalista especializado em gestão