Até o início da noite de 14 de março, poucos fora do Estado do Rio de Janeiro conheciam Marielle Franco. Logo depois das 21h, hora em que ela foi brutalmente executada, o mundo inteiro passou a saber quem era aquela mulher. Uma semana depois, um dos jornais mais importantes do mundo, o Washington Post, dedicou ontem uma extensa reportagem dizendo que a vereadora morta a tiros no Rio agora é um símbolo global. Repito: global. A matéria, com direito a fotos e entrevistas, é a principal da capa do periódico norte americano.
Pelos motivos errados, por ter sido vítima de um crime bárbaro, Marielle ganhou notoriedade e o mundo, como bem exemplifica o Post. Talvez se perseverasse na árdua tarefa de defender seus ideias do alto da tribuna da Câmara de Vereadores de Curitiba não teria tamanho reconhecimento. A história dela mostra a conquista e ascensão de uma mulher que resolveu ir na contramão do destino que as mazelas de uma favela reservam aos que moram por lá. Marielle estudou, formou-se em sociologia e se elegeu vereadora da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL. Com pouco mais de 46 mil votos, foi a quinta vereadora mais votada da capital carioca. Por si só, a história de vida de Marielle já poderia virar filme. A vida dela de fato vai virar um filme, mas com um desfecho triste e brutal.
Não menos trágica foi a reação na internet. Rapidamente pipocaram manifestações de luto e cobranças para solução do caso. Afinal de contas, creia você ou não, o Estado do Rio de Janeiro está sob intervenção federal na área da Segurança Pública. E nem mesmo a presença de militares e seus imponentes tanques foram capazes de inibir a ação dos criminosos.
Tão triste quanto a morte da parlamentar foi a estupidez vista, especialmente, nas redes sociais algumas com uma virulência inexplicável. De vítima, Marielle passou a mulher de traficante, mãe aos 16 anos e com relações com o Comando Vermelho – facção criminosa que comanda a maioria das favelas do Rio de Janeiro. Esta proximidade com o CV é tanta, segundo as redes sociais, que ela foi eleita com o voto do vapor ao dono do morro. Imediatamente as informações viralizaram com direito a fotos. Como se ela não pudesse de fato ter sido mãe aos 16 anos e ser mulher de um traficante. Como se isso fosse um salvo conduto que pudesse explicar uma execução ao ar livre.
Mas tudo isso era mentira. As famosas fake news, tão difundidas após as eleições presidenciais americanas e que ameaçam o nosso processo eleitoral que se avizinha, fez mais uma vítima. A irresponsabilidade e imbecilidade foram tantas e tão abrangentes que lemos de tudo. Infelizmente. Até mesmo uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro opinou sobre o caso. A magistrada Marilia de Castro Neves usou as redes sociais para dizer que Marielle estava engajada com bandidos e que foi eleita pelo Comando Vermelho. Data vênia desembargadora, a senhora perdeu uma grande oportunidade de ficar calada. Fato é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai investigar a conduta da magistrada.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que ela foi eleita com expressiva votação da zona sul do Rio de Janeiro. É bem provável que os vizinhos da ilustríssima desembargadora tenham votado em Marielle. Repito: como se isso fosse um salvo conduto que pudesse explicar uma execução ao ar livre.
Uma semana depois da morte temos como concluir apenas duas coisas: trata-se de uma execução. A segunda: todos acham que sabem tudo, mas verdadeiramente emitem opiniões que provam que não sabem de nada. A intenção é só entrar na polarizada discussão de direita e esquerda. Mais uma vez, como tem sido uma rotina, os grandes temas do país acabam sendo discutidos de forma rasa nas redes sociais sempre de forma polarizada. Qualquer tema é debatido a ferro e fogo com uma ignorância virulenta entre os mortadelas e os coxinhas. Desculpe-me, mas a mim parece raso demais. O resultado mostra que as redes sociais deram voz a muitos ignorantes.