Desde 2014, uma seleção sempre está presente nas discussões em relação aos favoritos para a Copa do Mundo. Apesar de não ter grandes resultados no passado, a Bélgica mostrou força nos últimos anos com a melhor geração de atletas de sua história, mas pode ter no Mundial do Catar o último lampejo de seus craques no principal cenário do futebol mundial.

Ao longo dos últimos oito anos, essa geração marca o esporte, com atletas que dominam e encantam o mundo com suas atuações. Kevin De Bruyne, Romelu Lukaku e Eden Hazard são só alguns dos destaques de uma seleção composta por craques em todas as suas posições.

Mas essa geração só começou a ser formada após anos de fracassos: em 2000, a Bélgica foi eliminada da Eurocopa após uma derrota para a Turquia, na qual era o país-sede ao lado da Holanda, ainda na fase de grupos. Em 2006 e 2010, não conseguiu se classificar para a Copa do Mundo. Mudanças precisavam ser feitas no futebol do país como um todo.

Nesse cenário, Michel Sablon, atual diretor técnico da seleção, e Bob Browayes, gerente de desenvolvimento da federação belga, foram chamados, ainda em 2001, para promover mudanças nas categorias de base e na seleção principal da Bélgica. Um longo caminho foi percorrido até a Bélgica voltar aos grandes torneios na Copa do Mundo de 2014.

“A partida (contra a Turquia) foi um fracasso completo. A forma como a Bélgica foi eliminada era simplesmente inaceitável. A seleção chegou ao fundo do poço. Havia um vácuo de qualidade e algo precisava ser feito”, afirmou Sablon ao portal Bleacher Report em 2016. Com seu cargo na federação, o diretor técnico e Browaeys trabalharam para criar uma rede de talentos no país.

Após viagens para Holanda, França e Alemanha, referências no trato com as seleções de base, traçou-se um plano para as categorias de base na Bélgica: unificar o estilo de jogo no 4-3-3, o mais utilizado no futebol moderno. Entre os jovens, a ideia era fazer com que, desde o início, se adaptassem ao esporte praticado a nível profissional.

“Fomos um pouco visionários”, diz Browaeys. “O 4-3-3 atende a todos os requisitos para desenvolver jogadores que se destacam na circulação de bola e ações individuais. Se você joga em zonas, tem que pensar, se posicionar em relação ao seu adversário e à situação do jogo.” Centros de treinamento, focado nas categorias de base também, foram formados para desenvolver as jovens promessas.

FORMAÇÃO
Além desse trabalho no sub-15, sub-17, sub-20 e assim por diante, a Bélgica se aproveitou da “sorte” de uma geração repleta de craques. Os centros montados pela federação ajudaram a retirar o melhor de nomes como Dries Mertens, Mousa Dembélé e Axel Witsel.

Vincent Kompany, hoje técnico do Burnley, foi um dos primeiros jogadores dessa geração a mostrar na prática os resultados do investimento. O zagueiro deixou o Anderlecht, da Bélgica, para defender o Hamburgo, em 2006. Dois anos depois foi vendido ao Manchester City e se consolidou como capitão do clube até 2019, ano em que retornou ao futebol da Bélgica.

O jogador foi uma amostra da evolução do futebol belga, que a partir da próxima década virou um polo exportador de talentos. Os irmãos Eden e Thorgan Hazard, Lukaku, Mertens, De Bruyne, Meunier e Courtois defendem os maiores clubes do futebol europeu e são destaques de suas ligas nacionais.

Outro ponto de destaque desta geração belga é a cultura do país. Localizado na Europa Ocidental, sua população é multicultural e multiétnica. Flandres, ao norte, tem o holandês como idioma nativo. Valônia, ao sul, tem o francês. E, ao leste, há uma comunidade falante da língua alemã.

Em 2014, durante a Copa do Mundo, o porta-voz da Bélgica afirmou ao jornal The New York Time que precisa organizar entrevistas coletivas separadas para cada idioma falado pelos jogadores. Na seleção, em meio a esses “problemas” de comunicação, optaram por usar o inglês como idioma base como solução a esses problemas de comunicação.

Lukaku e Hazard atuaram no Chelsea. De Bruyne, desde 2015, defende o Manchester City. Vertonghen e Alderweireld jogaram por muitos anos no Tottenham. Nesse cenário, entre tantos outros atletas, o inglês surge como uma opção de linguagem universal.

TORNEIOS INTERNACIONAIS
Com o grupo montado, o plano era superar seus melhores resultados na história da Copa do Mundo e Eurocopa, além de conquistar os títulos. Duas Copas do Mundo, duas Eurocopas e duas Ligas da Nações depois, o título ainda não veio, mas a Bélgica começou a montar uma “mentalidade vencedora”.

Ao ser anunciado como novo treinador da Bélgica em agosto de 2016, Roberto Martínez, então técnico do Everton e campeão da Copa da Inglaterra de 2013 com o Wigan, afirmou que gostaria de implantar uma mentalidade vencedora na equipe. “Todo mundo respeita a Bélgica. É uma geração de ouro? Devemos trabalhar para que este seja o caso”, afirmou à época.

Quando assumiu o comando da Bélgica, a seleção havia acabado de ser eliminada pelo País de Gales na Eurocopa do mesmo ano. “O mais difícil é vencer quando esperam que você vença”, contou. Sob seu trabalho, o time alcançou o topo do ranking da Fifa e continuou sendo uma dos favoritos nos torneios que disputa.

O principal resultado, o terceiro lugar alcançado na Copa do Mundo de 2018, contou com uma vitória sobre a seleção brasileira nas quartas de final. “Uma exibição tática perfeita”, segundo o treinador. “Quando você enfrenta o Brasil, tem uma barreira psicológica que precisa superar. O Brasil é psicologicamente mais forte do que qualquer outra seleção no torneio por causa das Copas que venceu. Ele tem qualidade individual nos jogadores que pode ganhar um jogo num instante”, revelou, em 2019, ao site The Players Tribune.

NO CATAR
O cenário do Catar é algo inédito na Copa do Mundo. Com os jogos sendo disputados em novembro, início da temporada europeia, a maioria das seleções chega com força máxima e sem desfalques – como é o caso da Bélgica. “Sempre houve um lamento em nível internacional de que sempre pegamos os jogadores quando estão cansados. Acho que esta pode ser a melhor Copa do Mundo, ou torneio internacional, que já vimos”, afirmou Roberto Martínez à BBC em fevereiro.

“O nível físico dos jogadores estará no máximo, apenas algumas semanas após o início da temporada, o momento perfeito para os jogadores irem jogar por sua seleção”, contou. Na última convocação, a média de idade do elenco foi de 28 anos, um momento de transição entre gerações.

De Bruyne, Vertonghen, Alderweireld, Courtois e Meunier já passaram dos 30 anos de idade e podem disputar sua última Copa do Mundo no Catar. Hazard, principal jogador da equipe em 2018, já não vive sua melhor fase da carreira no Real Madrid.

“Há muito tempo que Hazard não tem uma sequência de jogos. Analisaremos sua situação à medida que a Copa do Mundo se aproxima, veremos que papel ele pode desempenhar”, afirmou Martínez à RTBF. Apesar de ainda continuar como uma peça importante do esquema tático da Bélgica, Hazard já não mostra físico para jogar os 90 minutos de uma partida.

O atacante foi titular na última partida da Liga das Nações, contra a Holanda – derrota por 1 a 0 -, mas pouco conseguiu fazer. Pelo Real Madrid, um cenário semelhante: disputou apenas três jogos na temporada, com uma média de 30 minutos. Em 2018, ele foi o camisa 10 e principal jogador da Bélgica – e um dos craques do mundial.

O ano de 2022 também marca a primeira Copa do Mundo após a criação da Liga das Nações da Uefa, competição que acontece entre as seleções europeias durante a Data Fifa. A ideia é de que o nível de todas as equipes aumente ao longo dos próximos anos, mas um ponto negativo do torneio é o número de confrontos repetidos. “Acho que metade da minha carreira internacional foi contra o País de Gales”, afirmou De Bruyne. “Não sei por quê. É um pouco chato. Acho que são 12 vezes que joguei contra eles, são sempre os mesmos times.”

Desde 2018, a Bélgica só enfrentou adversários não europeus em duas oportunidades: Costa do Marfim e Burkina Faso, ambos da África. No Catar, irá jogar com Marrocos e Canadá – dois adversários que normalmente não encontra pela frente -, além da Croácia. Será a primeira Copa que a Bélgica irá disputar sem o seu capitão Kompany, aposentado desde 2020.

Martínez terá a última chance de ser campeão com a base da geração belga. Além da saída de Kompany, o time titular se assemelha ao mesmo que derrotou o Brasil em 2018: Courtois; uma linha de três zagueiros com Debast, Alderweireld e Vertonghen; Meunier, Tielemans, Witsel e Carrasco; De Bruyne, Hazard e Lukaku. O centroavante, inclusive, chegou a cogitar a aposentadoria da seleção, mas foi convencido a disputar mais uma Copa. Convocado com uma lesão na coxa esquerda, ele deve jogar apenas a partir das oitavas de final.