Decreto implanta rede de recarga de veículos elétricos (Foto: Pedro Ribas/SMCS)

Os desafios para implantação e incorporação da frota futura de veículos elétricos no Brasil vão além do que estamos lendo e assistindo continuamente na mídia e nos anúncios de vendas.

Segundo dados divulgados pelo Ministério dos Transportes, estamos com uma frota de aproximadamente 70 milhões de veículos de quatro rodas no Brasil, com uma estimativa de que até 2030 haja um incremento de 8 % de modais elétricos ou aproximadamente 8.600.000 (oito milhões e seiscentos mil carros).

Precisamos discutir sobre temas que estão sendo pouco, ou nada abordados pelas instituições reguladoras, fabricantes de carros e governo. Com relação ao tema veículos elétricos, no Brasil, ainda há muitas perguntas que devem ser respondidas.

O interesse aplicado à questão não ocorre apenas pela novidade tecnológica, melhor desempenho na emissão de gases, menor custo por quilômetro rodado e a abolição do consumo de combustíveis derivados do petróleo que emitem grandes proporções de poluentes na atmosfera.

Primeiro vamos analisar a situação climática. Certas regiões do planeta convivem com situações extremas de altas temperaturas em certas épocas do ano. O aumento da constante demanda pelo uso de ar-condicionado por áreas residenciais, principalmente no período entre 16h e 21h, quando a disponibilidade de energia solar é menor ou nula, acabam por agravar ainda mais a enorme pressão exercida sobre a rede elétrica.

A exemplo do que acontece na Califórnia, região do oeste dos Estados Unidos, onde as temperaturas podem chegar a 44º C, o poder público sugeriu que fossem evitados os usos de grandes eletrodomésticos e o carregamento de veículos elétricos. Isso ocorreu quase ao mesmo tempo em que havia sido anunciada a proibição da venda de carros à combustão a partir do ano de 2035 naquela região. Foi declarado, então, um estado de emergência, eliminando temporariamente o controle da poluição das centrais energéticas e permitindo, portanto, a geração de mais eletricidade com o uso de combustíveis fósseis.

A realidade ainda não é identificada por muitos, mas a aceitação de que os veículos compostos de motorização elétrica dominarão o mundo é inevitável.

Pesquisas realizadas pela montadora Nissan, ainda em 2018 apontaram que cerca de 80% dos compradores de automóveis na América Latina pretendem adquirir um veículo elétrico, se o custo fosse o mesmo que o de um carro tradicional. Em 2023, a gama de lançamentos aumentou, mas a diferença de custo entre modelos com motor a combustão e elétricos ainda é grande. Nos modelos de marcas mais populares, os preços variam entre 35% e 50%, ou seja, nos EUA, como o valor aplicado a um “Smart Fortwo”, de dois lugares, pode-se adquirir um carro top de linha da marca Honda Civic.

Sendo assim, são necessárias algumas reflexões sobre essa transição, ou seja a troca de veículos a combustão por modelos elétricos, apontando os prós e os contras que podem impactar, não só ao meio ambiente, mas também à sociedade a médio e longo prazo.

Apesar de todos os benefícios que um modelo de veículo elétrico pode proporcionar, os malefícios que até então foram poucas vezes apontados, precisam também ser levados em consideração e levados a uma discussão mais ampla.

Listei três bons exemplos:

01- De que maneira poderá ser gerada toda a energia para abastecer os veículos elétricos?02- Qual será a fonte de lítio para produzir baterias e qual deverá ser a destinação delas, após o término de sua vida útil?

03- Qual será o impacto, principalmente para áreas já consolidadas (edificadas) para viabilizar implantação de infraestrutura adequada para o carregamento?

Logicamente que qualquer um diria que a solução ideal é que a ampliação da geração de energia elétrica seja realizada através de energias limpas e renováveis, mas a realidade atual mostra que além de depender diretamente do meio ambiente, ainda há um longo caminho por percorrer pois demandará um enorme investimento em infraestrutura, não apenas para a geração, mas também para a distribuição de energia.

No Brasil, ainda que a infraestrutura não seja dimensionada para uma grande demanda, estamos atendendo questões sustentáveis devido à existência de grande quantidade de hidrelétricas, além do crescimento de alternativas como a energia eólica. Por outro lado, voltando para o setor oeste americano, onde é grande a utilização de veículos elétricos, praticamente 60% da energia gerada provém da queima de combustíveis fósseis.

Devemos levar em consideração todo o ciclo do processo que resulta no uso do veículo elétrico. Desde a procedência da matéria prima até processos que serão realizados para a obtenção dela e por quais processos industriais será necessário percorrer para que se chegue ao produto. A utilização, propriamente dita do produto finalizado, considerando sua eficiência e quais impactos poderá vir a causar no entorno onde esteja sendo utilizado e por fim, a destinação de suas peças quando chegar ao fim do período de sua vida útil.

A bateria de lítio, que é um dos elementos mais importantes dos veículos elétricos, é também um alvo de grandes discussões. Existe inicialmente, uma grande dificuldade na sua produção devido ao fato de que o próprio lítio é um recurso escasso e, assim como o petróleo, também é finito. Outros componentes são muito raros e estão localizados em áreas de conflitos, como no continente africano, por exemplo. Essas questões, aliadas à grande logística intercontinental necessária para o transporte da matéria prima, acabam poluindo o meio ambiente e fazendo com que seu custo resulte ser muito alto. Existe, por fim, a grande preocupação de como poderá ser considerado o descarte das baterias e quais as reais causas de impacto podem ser geradas ao meio ambiente.

A destinação de resíduos já é extremamente escassa no Brasil. Temos dificuldades e limitações para destinação de resíduos muito mais simplificados do que propriamente resíduos gerados pelas baterias

Falando especificamente do Brasil onde estamos presenciando um dos maiores e mais longos períodos de expansão imobiliária, nunca se construiu e entregou tantas unidades habitacionais como agora. Esse aumento expressivo irá gerar outras demandas, e junto deles, novas perguntas que ainda não tem respostas. Como por exemplo a regulamentação da exploração dos pontos de eletro carga. Haverá necessidade de pontos públicos? Qual a proporção ideal de vagas de carregadores por empreendimento está correta? Quanto custa esta infraestrutura? E principalmente se esta infraestrutura de ligação não afetará o meio ambiente de outras formas.

Para o planejamento de novos edifícios, por exemplo, vem sendo prevista toda uma infraestrutura interna para viabilizar a implantação de pontos de carregamento para veículos elétricos.

Um problema que se tem notado muito é a necessidade de adequação para empreendimentos já existentes, pois é demandado um amplo espaço físico, além de custo elevado. É necessária a implantação de uma nova rede de cabeamento, quadros específicos e centrais de energia, para atendimento às tomadas que irão abastecer os pontos de carregamento, que podem chegar até 50 A (amperes). Essa conta acaba por assustar ainda mais se considerarmos que 30% das vagas de um empreendimento deveriam estar providas de carregadores. Em um edifício de 500 vagas, por exemplo, chegaríamos a 150 unidades de carregamento. Sem contar com outros modais como patinetes e bicicletas, entre outros.

Apesar do grande potencial energético do Brasil, principalmente através de energias renováveis e com a evolução do mercado dos veículos elétricos ou híbridos, o país ainda se depara com alguns obstáculos para o seu crescimento. Um dos principais motivos para isso é a infraestrutura oferecida para carregamento dos veículos, que apesar de já estar presente em alguns grandes centros urbanos, ainda é deficitária na maior parte do país.

É necessária a criação de uma rede de carregamento exclusiva para carros, ônibus e caminhões elétricos, de forma ágil e simplificada para viabilizar o crescimento da frota, oferecendo uma experiência parecida com o abastecimento tradicional, aos consumidores.

Hoje as empresas distribuidoras até estão prontas para atender às demandas, mas os municípios não têm condições de entregar pontos

*Antonio Juchem é diretor da GaragePlan