Dizer que o baterista Fê Lemos é uma figura histórica do rock brasileiro pode parecer clichê, mas em tempos de redes sociais, Fake News e informações cada vez mais desencontradas, torna-se relevante recordar. Fundador do Aborto Elétrico, ao lado do cantor e compositor Renato Russo, até hoje o músico é o responsável pelas baquetas do Capital Inicial. E paralelo ao ofício de integrar um dos grupos sobreviventes do rock nacional, com mais de 30 anos de trajetória, o baterista desenvolve uma consistente carreira na música eletrônica, que já prepara o terceiro álbum solo.

Fê Lemos esteve em Curitiba no último sábado (24 de agosto) para tocar com o Capital Inicial no clube Curitibano e aproveitou para participar, também, do show do primeiro guitarrista da Legião Urbana, Kadu Lambach, no Sheridans Irish Pub, onde concedeu entrevista sobre sua carreira.

O nome do projeto do batera é Hotel Básico, que começou em 2005, com lançamento de seu primeiro disco. No início, “Hotel Básico” era o nome do primeiro álbum solo do Fê e, em seguida, se tornou o nome do projeto que já gravou dois CDs.

“O primeiro disco foi mais experimental. Estava começando a mexer com a linguagem nova de música eletrônica. No segundo procurei focar mais em canção com uma cantora, a Carol Mendes. O objetivo foi fazer canções utilizando a música eletrônica como base”, argumenta o músico, citando o disco “Amor Vagabundo”, que desenvolveu um lado mais pop e menos experimental.

Em 2019, Fê Lemos já começa a elaborar o terceiro álbum do Hotel Básico com novos colaboradores e com a intenção de aprimorar o estilo. “Em um terceiro disco vou utilizar esta ideia do pop com o peso da música eletrônica de pista, com um passo adiante. Estou trabalhando com a cantora Mel Ravasio, que era da banda Lipstick. A Mel é uma garota romântica. Que tem um estilo bem de menina”, argumenta.

Após gravar o primeiro álbum experimental e o segundo mais pop, o músico diz que é o momento de somar os elementos dos dois discos. “No começo experimentei bastante os recursos da música eletrônica, mas meu foco agora é fazer canção. Tenho os pés no rock dos anos 60 e 70, que nunca vou perder. Uso a eletrônica, mas quero canções, que as pessoas cantem o refrão. Com letras bacanas. Foi o que consegui no segundo disco. No próximo álbum, vamos fazer a alquimia destes elementos em um bom trabalho”, afirma Fê que pretende soltar o novo álbum no início de 2020.

Não é de agora que Fê tem fascínio pela música eletrônica. Ele começou a flertar com o estilo ainda na década de 1980. E com o pensamento pouco convencional de diversos músicos do rock, entende que a música eletrônica pode ser uma grande aliada do estilo. Para lembrar um pouco de como começou a se interessar pela eletrônica, o baterista citou os primeiros trabalhos do Capital Inicial que utilizou o gênero, em breve entrevista.

O Capital Inicial já flertava com a música eletrônica desde os anos 80 e 90. Se não me engano a primeira vez foi no álbum “Todos os Lados”?

Fê: Na verdade foi no disco anterior ‘Você Não Precisa Entender’. Este é um disco eletrônico. Que foi todo gravado praticamente no computador. Eu estava com uma bateria eletrônica. Naquela época era uma novidade muito grande. Foi em 1988. Eu estava começando a compor. Consegui meu primeiro sampler e primeiro sequenciador no final de 1987. Quem muito trouxe estes elementos foi o tecladista da banda na época, Bozo Barretti. Era ume época que teve o verão do amor na Inglaterra, da música do New Order, o Synthpop do Depeche Mode. O Capital nesta época foi muito influenciado. É o disco do Capital mais eletrônico.

Além do significado do álbum “Você Não Precisa Entender”, Fê ainda analisou outros discos do Capital Inicial dos Anos 80 e 90 que receberam influências da música eletrônica

Fê: No álbum ‘Independência’ (1987) já tem uma música chamada ‘Espelho no Elevador’, com letra minha, que o Bozo Barretti traz um flerte neste sentido, fugindo um pouco do punk rock do primeiro disco. No quarto álbum ‘Todos os Lados’ (1990) tem ‘Vênus em Pedaços’ que é totalmente eletrônica com samples de filme pornô e a canção ‘Mambo Club’ que programei a bateria eletrônica. Era uma influência minha na banda, já tinha a bateria de pads. No álbum seguinte, o ‘Eletricidade’, na música ‘Chuva’, minha e do Bozo, fiz a programação de baixo, de teclado. Criei aquele groove da música. Só que em seguida o Capital se separou e, quando voltou, optei em dedicar meu esforço criativo ao projeto Hotel Básico.

Geralmente nas bandas de rock, o baterista tem um pouco de preconceito com a música eletrônica, com a afirmação de que é a máquina substituindo o músico. Pelo jeito você tem uma visão diferente…

Fê: A bateria eletrônica não substitui. Ela agrega. Quando vou programar, eu toco a bateria. É uma opção minha. Estamos no século XXI e a distinção do que é acústico ou eletrônico está cada vez mais cinzenta. Estas áreas vêm se misturando. A ideia da banda de rock tradicional da década de 70, hoje ficou na história. O que importa é criar uma música que o público se identifique. É importante pegar elementos e fazer uma coisa sua, misturar em um caldeirão. A música tem que ser original. Eu gosto de misturar bateria acústica com eletrônica. As possibilitadas são ilimitadas. Tá na hora de perder esse pudor.

Entrevista: André Molina

Foto: Divulgação

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