Nesta semana do livro, comemoro: a biblioteca do nosso condomínio vingou. Graças a incansáveis moradores, hoje temos uma boa centena de volumes que passeiam entre os quatro prédios, o que facilita o acesso aos títulos. Foi assim que percebi o quanto ainda não li. Mas agora risco mais um item da lista de “100 livros para ler antes de morrer” (não era bem esse o enfoque hehe) do querido professor e escritor Cristóvão Tezza.

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Se tem uma coisa que ficou do longo período de mestrado para mim foi o apreço pelas adaptações. Com os estudos de Linda Hutcheon e Patrice Pavis como guia, eu e tantos estudantes orientados pela professora Célia Arns fizemos diversas incursões pelo maravilhoso mundo da transposição entre linguagens.

Não é de espantar, portanto, que, apesar de eu dividir uma “ilha” de 78 metros quadrados com duas crianças de 6 e 4 anos, o que mais me tenha chacoalhado em “O Senhor das Moscas” seja a pungente paródia que William Golding faz de “A ilha de Coral”, de 1858. Em ambos, garotos britânicos ficam sozinhos em uma ilha distante. Na obra do século 19, comportam-se maravilhosamente bem e são algo de selvagens. Na do século 20, bem, o comportamento não é lá essas coisas – descobrimos que os selvagens são eles mesmos.

Escrevendo em 1954, o autor, que ganharia o Nobel de Literatura em 1983, satiriza o nacionalismo inglês escrachado de Robert Ballanttyne – este último, filho de uma época afeita a imperialismos que desembocariam em duas grandes guerras antes que um século se passasse. 

Para começar, os garotos protagonistas se chamam Jack e Ralph em ambos os livros, numa indicação explícita da sátira, que muito me agrada. Não é preciso esconder a homenagem – ou o deboche.

O resto é história, tem que ler. Ou assistir ao filme, que causou polêmica nos anos 1980. Não sejamos puristas hierarquizantes entre linguagens, no estilo “a literatura está acima do cinema” ou “o livro é melhor que o filme” etc.

Seja um clássico ou a sátira dele, vamos ler, pessoal!