Em Hoje, não? (Editora Urutau, 2021), uma mulher desorientada refugia-se em um teatro. Ao deparar-se com a plateia, coloca em questão os processos de identificação baseados no olhar do outro, compartilha memórias de luto e inquietações sobre as noções de vítima e de punição.

 

O livro é o primeiro escrito para cena por Luciana Romagnolli, no mesmo ano em que estreou na literatura com os poemas de O mistério de haver olhos (Quintal Edições, 2021). Os dois trabalhos marcam novos rumos na trajetória da jornalista, crítica e pesquisadora de teatro, que foi curadora do FIT-BH 2018 e dos Olhares Críticos da MITsp (2017-2020), além de fundadora do site Horizonte da Cena.

 

Hoje, não? nasceu entre 2013 e 2015, nos encontros do Ateliê de Dramaturgia, então orientado por Vinicius Souza e Assis Benevenuto. “Minha escrita estava voltada às reverberações de trabalhos de outros artistas, seja na reportagem jornalística ou na análise crítica. O ateliê foi um espaço para finalmente experimentar a criação. Parti de um gesto autobiográfico, ancorado no assassinato do meu pai, e outras flutuações vieram, colocando o espectador-leitor dentro do acontecimento”, conta a autora curitibana, que vive em BH.

 

“Como resposta criativa a uma experiência traumática, a peça vasculha sentimentos reais e imaginados, é uma escrita tateante, vacilante, que assume a instabilidade, a incerteza, as lacunas e os impossíveis da expressão e do compartilhamento de um trauma, mas também da perseguição de um de ideal de justiça – igualmente, inescapavelmente, fracassado”, afirma Romagnolli.

 

O texto teve uma primeira leitura cênica no Janela de Dramaturgia, em 2016, sob a direção de Daniel Toledo, ao lado da atriz Samira Ávila. Depois, ficou “desacordado” por alguns anos, “até que o encontro brusco com a pandemia o despertou, ao perceber que já estavam lá o luto, a ameaça, o refúgio e o medo em que vivemos”, diz a autora, que agora confere tons mais poéticos à obra.

 

Visões

“Originalmente elaborado como peça de teatro, Hoje, não? torna-se aqui um híbrido de técnicas de criação escrita, com a sucessão de palavras e proposições de movimentos agindo tanto como comentários sobre as inquietações da autora quanto como reflexões críticas sobre sua própria construção”, descreve o crítico Marcelo Miranda na orelha do livro.

 

“Como artesã das palavras, Luciana conseguiu tecer de forma poética e latejante essa sensação de perplexidade que está no cerne de nossas vidas. A escritora traz em seu texto um pouco do abismo e da vertigem de Clarice Lispector, do mistério e da elegância lírica de Cecília Meirelles e do grito feminino e inconformado de Leilah Assumpção”, observa o crítico de teatro Clóvis Domingos, no posfácio.

 

“O texto mais complica, implica e complexifica do que apazigua. Mas a gente sente que é feito dessa mesma matéria. Continuamos de mãos vazias diante do enigma”, completa Domingos.

 

Serviço:

Hoje, Não?, de Luciana Eastwood Romagnolli. Editora Urutau, 2021, 84 págs. R$ 40.