Elite num País em que as mulheres ainda não ocuparam todos os cargos da vida pública, as parlamentares brasileiras dificilmente conseguem exercer os seus mandatos sem se desligarem dos laços culturais que as vinculam à casa e à família, aos papéis de mães e esposas. O fenômeno pode ser constatado num exame dos temas que imperam em suas propostas, nos discursos que fazem na atividade parlamentar e até mesmo na escolha das comissões técnicas onde irão atuar.

Entre as 20 comissões técnicas da Câmara, por exemplo, as deputadas costumam centrar suas escolhas nas Comissões de Seguridade Social e Família, na de Educação e na de Defesa do Consumidor. Os dados são revelados pela tese da socióloga Luana Simões, que fez mestrado em Sociologia da Técnica em Planejamento e Pesquisa no Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea). Intitulada “Vozes Feminina na Política”, a tese é fruto de uma longa pesquisa no banco de dados da Câmara nos últimos anos e de muitas entrevistas com deputadas.

PEQUENO CRESCIMENTO – A pesquisa mostra, por exemplo, que o número de mulheres deputadas cresceu pouco, de 1987 para cá. Naquele ano, 5,4% dos 513 parlamentares eram mulheres; no início desta legislatura, com todo o aparato de debates que elevou o papel da mulher na sociedade, o porcentual subiu para apenas 8 9% do total. Nesses 10 anos, apurou Luana, praticamente não houve modificação na atuação das deputadas.

Durante todo esse tempo, a imensa maioria das mulheres que chegaram à Câmara circunscreveu suas atuações parlamentares a temas que são pouco mais que a extensão de sua atuação como donas de casa, mães e esposas. Há raras exceções, aponta o estudo. Uma das mais notórias é a atual governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), uma professora de Economia que nunca se aplicou muito no debate dos temas “caseiros”, mas sempre se destacou na discussão de matérias econômicas.

Outro ponto que mudou muito pouco no padrão das mulheres que chegam ao Parlamento é a origem política delas. Em 1976, 41% das mulheres parlamentares vinham de famílias com forte tradição política – como, por exemplo, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha de um político tradicional, como o senador José Sarney (PMDB-AP) -, o que sugere que elas teriam sido eleitas pelo status político de suas famílias e ao domínio que elas já exerciam em alguma região ou município. Na Câmara atual, 49% das depuradas foram eleitas graças a suas participações em movimentos sociais ou depois de terem ocupado cargos públicos expressivos.

OCUPAR OS ESPAÇOS – Em seu segundo mandato, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse concordar com os indicativos da tese, mas ressalvou: “Nós, mulheres, estamos aqui para ocupar os espaços abandonados pelos parlamentares homens, mas é claro que temos de romper com essa idéia de que há espaços separados para homens e para mulheres.”

Para a senadora Fátima Cleide (PT-RO), a escolha sobre as áreas nas quais atuaria no Congresso levou em conta, sobretudo, a tentativa de preencher o atendimento de necessidades que ela identificou antes da eleição. “Não fomos nós que escolhemos. É que ficamos tanto tempo sem ter nada, que agora não queremos deixar a oportunidade passar”, explicou.

A comemoração do Dia das Mulheres evidencia os estereótipos que enquadram as parlamentares. A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) pediu ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) que abrisse sua casa no início da noite de hoje para oferecer um coquetel às convidadas que participaram da entrega do diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz. No horário combinado, Renan abandonou a Mesa do Senado, de onde presidia votações importantes, e foi para casa atender ao pedido da colega.

A deputada Maria do Rosário discordou da cortesia de Renan. Para ela, a obrigação do presidente do Senado é abrir a discussão sobre a pauta de votações do dia e presidir a Mesa Diretora no debate de temas que digam respeito à atuação do Senado – e não de abrir a residência oficial para festejar quem quer que seja.