As seleções de Portugal e Marrocos definem neste sábado, às 12h, o terceiro semifinalista da Copa do Mundo do Catar. Cerca de 230 quilômetros separam os dois países pelo Oceano Atlântico, mas uma história em comum alimenta o imaginário lusitano há 444 anos, envolvendo Portugal, Marrocos, um rei desaparecido e a literatura, com impactos diretos no Brasil.

Nascido em Lisboa em 1554, Sebastião I se tornou rei aos três anos, com a morte do avô João III, mas só assumiu o comando de Portugal quando completou 14 anos. Educado de forma rígida, com valores cristãos, Dom Sebastião planejou e tentou executar o projeto de expansão do império português pelo norte da África, a fim de combater o avanço otomano, começando por Marrocos.

O anseio, no entanto, não era alimentado apenas pelo rei português e seu espírito cruzadista. Abdallah Mohammed foi destronado no Marrocos por seu tio Abu Marwan Abd al-Malik e convenceu o monarca português a ajudá-lo na luta pela reconquista do trono.

Em 1578, aos 24 anos, chegou ao território marroquino, comandando um exército de aproximadamente 20 mil homens, metade se comparado ao do país africano. O fim, porém, não foi o esperado pelo monarca. Na batalha de Alcácer-Quibir, também conhecida como Batalha dos Três Reis, em 4 de agosto, foi morto, assim como outros tantos integrantes do exército lusitano, que fora esmagado pelos marroquinos liderados pelo sultão Abu Marwan Abd al-Malik, apelidado pelos portugueses de Mulei Maluco. Mulei Maluco e seu sobrinho e rival Abdallah Mohammed também morreram na batalha.

O MITO DESEJADO
O corpo de Dom Sebastião nunca foi levado de volta a Portugal. O seu “desaparecimento” abriu margem para uma série de teorias. Uma delas dizia que ele havia sido aprisionado, outra apontava que ele teria reaparecido em Veneza, na Itália. As hipóteses deram voz ao sebastianismo, movimento messiânico que espera a volta de Dom Sebastião às praias de Lisboa, em uma manhã de nevoeiro, para salvar a nação portuguesa.

A explicação vai além da morte prematura e misteriosa de Dom Sebastião. Ela diz respeito às consequência da perda do rei. Com sua morte, o trono foi ocupado ao longo de dois anos pelo tio Henrique I, cardeal da Igreja Católica e antigo regente, enquanto Dom Sebastião não alcançava a maioridade.

REFLEXOS NO BRASIL
Quando Henrique I morreu, em 1580, o trono português ficou vago e, superada a crise de sucessão, foi concedido a Felipe II, rei da Espanha e tio materno de Dom Sebastião. A União Ibérica juntou os reinos de Espanha e Portugal até 1640. Neste período, o Brasil esteve sob o comando espanhol e foi alvo de invasões holandesas no Nordeste.

Uma das lendas sobre o paradeiro de Dom Sebastião tem como fundo o Estado brasileiro do Maranhão. Na Ilha dos Lençóis, circula a história de que o monarca vive sob sua mais alta duna. Uma das justificativas associa as areias do Marrocos às dunas maranhenses. Afirma-se que Dom Sebastião surge nas noites de sexta-feira na figura de um touro com uma estrela dourada, em alusão à bandeira marroquina, na testa. A relação com o Brasil não para por aí. Antônio Conselheiro, líder de Canudos, também era sebastianista e confiava no retorno do nobre para restabelecer a monarquia no País.

A relação com o Brasil motivou a escola de samba paulistana Colorado do Brás a transformar a curiosa história de Dom Sebastião em samba enredo em 2020. A agremiação desfilou sob o enredo “Que rei sou eu”. No Sambódromo do Anhembi, em 1999, a Gaviões da Fiel foi campeã com o enredo “O Príncipe Encoberto ou a Busca de Dom Sebastião na Ilha de São Luís do Maranhão.”

LITERATURA
Na literatura portuguesa, o sebastianismo seguiu tendo reflexos séculos após o desaparecimento do monarca. Padre António Vieira viveu no século 17 e deixou escritos proféticos sobre o movimento, alimentando o sonho de um novo império português. Fernando Pessoa, mais tarde, via na corrente sebastianista uma amostra do nacionalismo português, afastando influências de outras culturas, principalmente após a invasão napoleônica.

No poema “D. Sebastião, rei de Portugal”, presente no livro “Mensagem”, publicado em 1934, Fernando Pessoa descreve a ambição de Dom Sebastião como uma loucura em uma interpretação otimista.

Louco, sim, louco porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso, onde o areal está
Ficou o meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Impulsionada por um contexto correlato e tomada pela “loucura de grandeza”, a seleção de Fernando Santos busca se colocar entre as quatro melhores do mundo. Já o fez em 1966, sob o comando do brasileiro Otto Glória, e novamente em 2006 com Luiz Felipe Scolari, que convocou à época os portugueses a exporem bandeiras lusitanas em suas janelas e varandas em apoio à equipe. Em 2022, o desejo é bater o Marrocos e ir além. À final e à inédita conquista mundial.