No interior da caixa de ferramentas disponível para a edificação de um complexo e abrangente empreendimento de desenvolvimento sustentado no Brasil pode ser facilmente identificado o potencial dinâmico do agronegócio. De fato, segundo especialistas, pelo menos nos próximos quatro decênios, o panorama planetário deverá ser marcado pelo aprofundamento da diversificação dos mercados de destino das vendas externas dos diferentes países, com a ampliação da envergadura produtiva, comercial e financeira dos integrantes dos continentes asiático, africano e do Oriente Médio.
Mais que isso, deve ocorrer a radicalização da combinação entre o salto no volume, na renda e no grau de urbanização daquelas populações e, consequentemente, a impulsão da demanda por alimentos, ao lado da menor velocidade de expansão da produção agrícola, sendo 1,7% ao ano, nos próximos 20 anos, contra 2,0% a.a., na décadas anteriores, segundo levantamentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Igualmente esperadas serão as drásticas alterações nos hábitos de consumo de produtos essenciais da população mundial, com a troca de fontes de proteína vegetal por aquelas de origem animal, particularmente carnes e derivados lácteos, o que multiplicará os ganhos de mercado das nações produtoras de alimentos e a apreciação das commodities primárias.
Convém mencionar que, no caso chinês, há a forte influência do inevitável deslocamento das prioridades de inversões em infraestrutura para os estímulos ao consumo das famílias, em um ambiente de encurtamento estrutural das exportações para o continente europeu e de insuficiência de superfícies de terras adequadas à exploração agrícola e de crônica escassez de água.
Parece oportuno recordar que a reprodução dessa trajetória positiva vem assumindo contornos mais nítidos no Brasil desde a década de 1980, em virtude da combinação de componentes favoráveis ligados ao clima, à abundância de água e à disponibilidade de terras agricultáveis. O País utiliza 34,0% da sua superfície de terras com a agropecuária, podendo chegar a 43,0%.
Assim, o rural brasileiro passou a ser alvo da introdução de técnicas de plantio e de manejo adequadas às distintas condições climáticas, como a safrinha de milho no inverno, que tende a ultrapassar, em volume, a colheita de verão; a soja transgênica, que diminui a utilização de fungicidas e herbicidas; e a modalidade de plantio direto, que reduz a erosão dos solos e o emprego de inseticidas.
Houve ainda o rearranjo espacial do processo de industrialização do campo, aprofundado com o esgotamento das terras aptas, a diversificação, a profissionalização e a maior integração com o mercado pelos produtores e a proliferação da modalidade de cooperativismo, na região Sul, e o alargamento da fronteira de expansão na direção conhecida como Centro-Oeste Ampliado, capitaneada pelos estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Piauí e Maranhão.
Como exemplo acabado do extravasamento geográfico do agro, tem-se o funcionamento do maior complexo integrado de fabricação de rações e industrialização de carnes do grupo Perdigão na América Latina, instalado no município de Rio Verde, no estado de Goiás, desde fins dos anos 1980.
Esse movimento reflete, essencialmente, a perseguição, por parte dos capitais agrários e agroindustriais, de pronunciadas economias de escala, em regime de gestão tipicamente empresarial e de utilização de vastas extensões de terras, e do barateamento das despesas de escoamento, com os benefícios logísticos decorrentes do emprego conjugado das alternativas rodoviária, de cabotagem, ferroviária e portuária.
Não por acaso, a maioria dos centros de porte médio detentores de elevados índices de desenvolvimento humano no País possuem flagrantes laços com aquele agronegócio assentado em modernas técnicas de produção e contemporâneos métodos de gestão, o que resulta em elevados níveis de eficiência no interior dos estabelecimentos rurais e das fábricas.
O que atrapalha a capacidade competitiva setorial são as barreiras expressas no elevado custo Brasil, retratadas nas deficiências infraestruturais, na ausência de flexibilidade, ou mesmo de atualização e transparência, das legislações trabalhista, ambiental e de propriedade da terra, o que tem levado um número cada vez maior de produtores brasileiros a considerar a hipótese de aplicação dos excedentes (ou até a transferência de atividades) em outras paragens que desfrutam de vantagens competitivas nesses quesitos, especialmente na América do Norte, Leste da Europa e África.
No fundo, a correção das anomalias descritas e o desfrute pleno das oportunidades de rápida e consistente transformação do Brasil em autêntico player mundial do agronegócio requer a formulação e execução de um projeto de média e longa maturação temporal, contemplando a participação das distintas cadeias produtivas nas escolhas estratégicas do País nos campos de segurança alimentar, matriz energética e preservação ambiental, em um contexto de ascensão exponencial da demanda por alimentos e de intensificação das limitações da dotação de recursos naturais.

Gilmar Mendes Lourenço, é economista, presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), professor do Curso de Economia e Editor da revista Vitrine da Conjuntura da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos. Foi eleito  O Economista Paranaense do Ano de 2011 pelo CORECON/PR e vencedor do Prêmio Imprensa, em novembro de 2011, e do Prêmio Imprensa – Especial Brasília 52 anos, em abril de 2012, oferecidos pela Quality TV & Jornais. Ele escreve às quartas-feiras neste espaço