Não entendo por que certas pessoas enveredam pelo crime, se existem mil maneiras legais de ser desonesto. No apogeu da sua vida criminosa nos EUA, era o conselho dado pelo gangster Al Capone. Terminou sendo condenado pelo FBI por sonegação fiscal e não pelas centenas de crimes violentos que cometera. Se vivesse no Brasil, jamais seria condenado. Esperaria que o governo de plantão lançasse um Programa de Regularização Tributária, popularmente conhecido como Refis. Nas últimas duas décadas foram lançados 25 Refis destinados a refinanciamento de dívidas com a União. No governo FHC, em 2000, foi o primeiro. No governo Lula da Silva, foram aprovados 10 e no governo Dilma Rousseff, foram 13. A inflação dos programas de regulamentação tributária afeta mortalmente as receitas públicas.

Nessas duas décadas foram beneficiados 32% dos maiores contribuintes na pessoa jurídica, responsáveis por 80% da arrecadação, de acordo com a Receita Federal. Constatando que no período o governo deixou de arrecadar dezenas de bilhões de reais anualmente. O governo Temer, ao lançar o 25º Refis, esperava arrecadar com o programa em 2017, R$ 13,3 bilhões. Na Câmara dos Deputados, pela ação do relator Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), o texto foi desfigurado impondo um perdão da dívida negociada em 93%. A previsão da arrecadação desejada foi anulada afetando diretamente a meta fiscal impactando o Orçamento negativamente.

O ministro Dyogo Oliveira, do Planejamento, admite que, diante dessa realidade, o contingenciamento orçamentário para 2017, ante a redução de receitas, ocorrerá. É mais um Refis destinado ao fracasso, ao invés de aliviar temporariamente empresas que, por circunstâncias diversas, não puderam recolher os tributos devidos no prazo legal. Resta ao governo Temer, se tiver coragem, vetar em nome dos contribuintes e dos interesses do Tesouro Nacional a irresponsável proposta aprovada.

A rigor, o fato comprova como é imperativa uma reforma tributária séria na economia brasileira. A exagerada carga tributária leva muitas empresas, até por sobrevivência, postergar o pagamento de impostos. Ficando sujeitas a autuações do Fisco e litígios tributários que se prolongam por muitos anos. O governo então recorre a sucessivos Refis, com o parcelamento das dívidas para enfrentar a queda da arrecadação.

A Receita Federal tem estudos comprovando que mesmo com o parcelamento das dívidas, com redução dos juros e multas, o pagamento do passivo não ocorre integralmente. As primeiras parcelas são pagas, ficando o inadimplente legalmente qualificado e em dia com a autoridade tributária. Tempos depois interrompem o pagamento do débito junto à Receita Federal. Aguardam com disciplina franciscana que o governo edite um novo programa de refinanciamento (Refis) em condições mais favoráveis aos devedores. A RF estima em R$ 630 bilhões o montante das dívidas que deveriam ser regularizadas. Já a dívida ativa estimada é de R$ 1,7 trilhão.

Em relação às pessoas físicas, a realidade é inteiramente diferente, como reconheceu na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. Usando dados do Imposto de Renda das pessoas físicas de 2016, ano base 2015, ele afirmou: a concentração de renda é muito alta. Demonstrou que a renda tributável de ganho mensal por contribuinte dos 10% declarantes mais ricos tem esse perfil: 0,1% tem renda na faixa de R$ 135.103,00; 0,9%, R$ 34.165,00; e 9%, R$ 13.669,00. Já 40% dos declarantes tem ganho mensal de R$ 4.660,00 e 50%, recebem R$ 1.640,00. De acordo com Rachid os 10% detinham 36,4% da renda bruta enquanto os 10% mais pobres tinham 6,2% da renda bruta.

Naquele ano a Receita Federal recebeu 27.518.844 declarações. Apontando que 25.246.778 dos declarantes recebiam mensalmente até o máximo de 15 salários mínimos. Naquele encontro no Senado, Jorge Rachid condenou a indecorosa concentração da renda no Brasil.

As duas realidades retratadas demonstram uma verdade: o Estado brasileiro é ativíssimo na cobrança tributária das pessoas físicas. Na outra ponta, é extremamente complacente com a pessoa jurídica. A multiplicação dos programas Refis comprova essa realidade.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela UNESP