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 A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná  (TJPR) instaurou procedimento administrativo para  apurar o caso da juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, que mencionou a raça de um réu em uma sentença de condenação (processo judicial 0017441-07.2018.8.16.0013).  A decisão, de 19 de junho, mas publicada nesta terça-feira (11), chama a atenção por conta do conteúdo considerado racista. Natan Vieira da Paz, 48 anos, foi condenado a 14 anos e 2 meses acusado de integrar uma organização criminosa e praticar furtos. Na sentença  a juíza justifica a condenação pelos crimes, uma vez que o homem é negro. “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”, escreveu Zarpelon na página 107, de 115, de sua sentença condenatória. A investigação foi determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que concedeu o prazo de 30 dias para a averiguação. 

Em outros trechos da sentença, nas páginas 109 e 110, ela repete a mesma afirmação. “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça.” Além de Paz, outras oito pessoas foram julgadas e condenadas na mesma ação pela juíza Zarpelon. Segundo a sentença, o grupo formava uma organização criminosa que, entre 2016 e 2018, praticou furtos e saidinhas de banco nas praças Carlos Gomes, Rui Barbosa e Tiradentes, na região central de Curitiba. Eles teriam furtado mochilas, bolsas, carteiras e celulares. A advogada de Paz, Thayse Cristine Pozzobon, que divulgou a sentença nas redes sociais informou que recorrerá da decisão de Inês Marchalek Zarpelon e acionará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o julgamento seja anulado, por conta do racismo praticado pela magistrada na sentença.

Em nota publicada no site da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), a juíza Inês Marchalek Zarpelon informa que a frase foi retirada de contexto e que  ” não houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor“, diz a nota. “A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.  Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém”, diz a nota. 

OAB solicita providências do Tribunal de Justiça e ao Ministério Público do Paraná 

A Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR) publicou nota repúdio a toda a manifestação de racismo e comunicou que está solicitando ao Tribunal de  Justiça do Paraná (TJ-PR) e ao Ministério Público providências para apuração dos fatos ligados à sentença proferida pela magistrada Inês Marchelek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba.  Ainda nesta quarta (12),  a  Comissão da Igualdade Racial da OAB, presidida pela advogada Andréia Cândida Vitor, protocolará um pedido de providências solicitando a abertura de procedimento administrativo no TJ-PR para apuração dos fatos. A OAB Paraná também oficiará o Ministério Público para apurar a prática de discriminação. O racismo é crime com punição prevista na Lei 7.716/89.  “A sentença proferida demonstra a prática de racismo institucional e estrutural e supõe que a conduta social e os antecedentes do réu importam menos que sua origem”, afirma ela. “A decisão é inaceitável, imprópria e inadequada. Ela está na contramão de tudo o que buscamos e queremos. Lutamos por igualdade, queremos o fim do preconceito e não sua disseminação. Essa sentença retroage centenas de anos. Julgar alguém pela cor é de um retrocesso que merece toda a repulsa. Cor não revela caráter. Esperamos que haja no âmbito do Judiciário a devida reparação dessa conduta e a punição cabível”, afirma o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles. Ele lembra que o Estatuto da Igualdade Racial – estabelecido pela Lei 12.288 — completa dez anos agora. “Temos muito a avançar para que tudo o que está legalmente previsto seja efetivado. Esse deve ser um compromisso de todos os cidadãos”, completa.

Para a Comissão da Advocacia Criminal, presidida pelo advogado Edward Carvalho, a afirmação contida na sentença “é carregada de racismo explícito e odioso, refletindo uma cultura de séculos de opressão”. A advogada Silvana Niemczewski, secretária-geral adjunta da CAA-PR e consultora das Comissões de Igualdade Racial, Defesa dos Direitos Humanos e da Verdade da Escravidão Negra da OAB Paraná, também se manifestou: “O que o racismo institucional produz não é só a falta ou a dificuldade de acesso aos serviços e direitos. Verificamos nessa decisão também a perpetuação de uma condição estruturante de desigualdade em nossa sociedade. Até quando seremos julgados pela nossa cor de pele?”, questionou.