Para muitos, esse período de crise e distanciamento social tem revelado o alto poder de resiliência do ser humano, fortalecido o senso de caridade e sendo útil para reavaliar a relação individual e a situação do planeta.  

Olhando para a história da moda, foram em momentos assim de dificuldade que processos criativos, como o upcycling, por exemplo, surgiram. Foi na Grande Depressão, conhecida como Crise de 1929, que milhares de americanos se vestiram com sacos de farinha. As famílias não tinham dinheiro para comprar roupas, então, as mulheres recorreriam ao pouco disponível.

Percebido isso pelas empresas fabricantes de farinha, logo suas equipes de marketing resolveram estampar os sacos para que suas clientes fizessem as roupas com mais identidade e beleza. Não era uma tendência, mas sim uma necessidade.

Nos tempos atuais, com um poder de compra reduzido e mais tempo livre em casa, muita gente tem aproveitado para exercitar a criatividade por meio do D.I.Y. (Do It Yourself ou Faça Você Mesmo).

Como é o caso de Carolina Cruz que resolveu fazer seu próprio tie-dye, uma antiga técnica de amarração e tingimento de roupas. “Com a quarentena, eu enxerguei nos trabalhos manuais um relaxamento e uma fuga dessa confusão que estamos vivendo, e atualmente eu ensino e posto esse tipo de conteúdo na minha rede social”, explica a designer de moda que desenvolve trabalhos em Moda Circular. Em sua página no Instagram, ela compartilhou um vídeo com o passo a passo:

Ver esta publicação no Instagram

Uma publicação partilhada por Carolina Cruz (@carolinaabcruz) a

O cenário também é favorável para quem não lida muito bem com técnicas manuais desse universo “Faça Você Mesmo”, mas ainda quer modificar o estilo gastando pouco, sem impactar negativamente no meio ambiente.

Vertentes de consumo, como a Moda Circular, Moda Afetiva ou o Locavorismo, movimento de compra local, são os mais indicados. Pois, segundo Nicolle Gora, curadora de moda na Mescla Fashionlab, “os benefícios deste comportamento têm impacto positivo na geração de empregos, na redução da pobreza e na emissão de carbono.”

Foi a partir dessa consciência sustentável que Desdêmona Freitas abriu o Brechó dos Fundos, com o objetivo em promover a sustentabilidade e colaborar com que peças usadas não sejam descartadas em lixões ou no oceano. “A principal ideia do brechó é ressignificar. Trazer a verdadeira essência da roupa, a história que ela possui para que uma nova pessoa reuse e dê à peça uma nova oportunidade”, explica.

Ver esta publicação no Instagram

Uma publicação partilhada por BRECHÓ DOS FUNDOS (@bdfbrechodosfundos) a

No livro “O casaco de Marx” (2000), de Peter Stallybrass, o seguinte trecho remete à essa ideia: “Ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses 10 corpos sobrevivem. Elas circulam através de lojas de roupas usadas, de brechós e de bazares de caridade.”

De acordo com a pesquisa sobre tendências de consumo “ThredUp 2020 Resale Report”, em um comparativo com o ano passado, o mercado de segunda mão cresceu 138%, deixando a Amazon em segunda posição. E pelos próximos cinco anos, 52% dos consumidores vão comprar desse tipo de negócio, abandonando lojas de departamento e fast fashion.

Esse será o “novo normal” na relação entre clientes e marcas, mesmo depois do período de restrições sociais. “Consumidores conscientes devem questionar a maneira como as roupas são feitas, usadas e reutilizadas. Portanto, passar a valorizar modelos de negócios, como plataformas de aluguel, empréstimo e troca de roupas, marcas upcycling, slowfashion, autorais ou que prestem serviços de consertos dos produtos que vendem ou ainda trabalham com logística reversa e brechós que prolongam a vida útil das roupas.”, prenuncia Nicolle Gora.

Pequenos empreendedores que abrem empresas praticando esses princípios da circularidade, horizontalidade, prezando o bem coletivo também têm mais chances de sucesso.

Como é o exemplo do Brechó Debochadas, da stylist Vanessa Cordeiro, que integra um coletivo de brechós com mais quatro mulheres pretas da Região Metropolitana de Curitiba. Por meio do negócio, elas usam do garimpo e das técnicas de upcycling para comercializar moda, gerando renda para comunidades. “Minha forma de empreender é levar identidade e prática de liberdade, por meio da moda sustentável, especialmente a mulheres periféricas que empreendem por necessidade”, conta.

Ver esta publicação no Instagram

Uma publicação partilhada por brechó Debochadas (@brechodebochadas) a

Outro exemplo de empresa dos novos tempos é o brechó NADACRUA de Caroline Marangoni. Com uma curadoria de moda minuciosa e elegante, ela revela que sempre existiu muita preocupação com o todo e que moda “é uma ferramenta de autoconhecimento, expressão, arte e também um ato político, e uma filosofia de vida”.

Ver esta publicação no Instagram

Uma publicação partilhada por Nada Crua (@nadacrua) a

Para que marcas trilhem um caminho no “Pós-Moda” será preciso “avaliar a escolha de materiais, usar eficientemente suas matérias-primas, usar, reutilizar ou destinar de forma adequada seus resíduos, prolongar a vida útil dos produtos e priorizar a prestação de serviços”, finaliza Nicolle Gora.