SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma mostra de Rafael sem Rafael. Aberta nesta semana em São Paulo, “Rafael e a Definição da Beleza – Da Divina Proporção à Graça” reúne obras do ateliê do mestre renascentista, bem como de seus discípulos e contemporâneos.

Mas no montante de 94 peças da mostra no Centro Cultural Fiesp, que inclui pinturas, gravuras, livros, tapeçarias e objetos, há apenas três telas que teriam sido feitas por Rafael -e, destas, duas têm a autoria contestada.

“Virgem com Menino (Madonna Hertz)”, produzida entre 1517 e 1518 e que retrata uma modelo semelhante à Fornarina, amante de Rafael, foi durante muito tempo atribuída ao pintor e escultor Giulio Romano, um dos principais assistentes do artista de Urbino.

Só a partir dos anos 1990 o crédito da tela voltou ao expoente renascentista -a autoria foi conferida primeiramente pelo estudioso alemão Konrad Oberhuber, sendo ratificada mais tarde por outros teóricos.

Já “Testa di Madonna (La Perla)”, de 1518, era considerada uma cópia e teve sua autoria reavaliada a partir de uma restauração pela qual passou em 2010, após ser encontrada no porão de um museu italiano.

A pequena tela, que retrata a cabeça de uma mulher, teria sido um esboço feito por Rafael para uma pintura maior da Sagrada Família. A tela grande, conhecida como “La Perla”, foi concluída por um de seus discípulos mais próximos, Giulio Romano, após a morte do mestre.

Resta “Madonna com Bambino”. Embora não tenha sua autoria questionada, o quadro da segunda década do século 16 teve muitas versões, das quais a considerada original está na Galeria Nacional da Escócia.

A versão em exibição na Fiesp foi provavelmente pintada por Gianfrancesco Penni, herdeiro do ateliê de Rafael.

Quem busca ver um original inconteste pode encontrá-lo a poucos metros dali, no Masp. O museu da Paulista exibe “Ressurreição de Cristo”, óleo do final do século 15, junto a outras obras do seu acervo permanente.

Na ausência do convidado principal, a grande estrela de “Rafael e a Definição da Beleza” vem, na verdade, do Brasil.

É um conjunto de mais de 50 gravuras do ateliê de Rafael pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

A coleção, que chega a São Paulo pela primeira vez, foi descoberta em 2011 pela curadora Elisa Byington, enquanto ela organizava uma exposição sobre o historiador de arte Giorgio Vasari para a instituição carioca.

Um dos destaques deste recorte é “O Massacre dos Inocentes”, desenho feito pelo mestre italiano especialmente para ser gravado -e uma das primeiras gravuras a saírem de seu ateliê, em 1509. A obra aparece disposta ao lado de seus três estudos preparatórios.

Junto a “Julgamento de Páris e “A Morte de Lucrécia”, também expostas, é um exemplo da destreza técnica de Marcantonio Raimondi, que viria a se estabelecer como um dos principais reprodutores da obra de Rafael.

Segundo Byington, que também organizou a mostra na Fiesp, a descoberta desta coleção “quase desconhecida” nos arquivos da Biblioteca Nacional foi o pontapé inicial para a exposição recém-inaugurada.

“É importante que a gente saiba dos acervos que temos no país para lutar pela preservação deles, ainda mais neste cenário em que um museu acaba de pegar fogo”, diz.

Novidades durante o Renascimento, as gravuras de arte serviam como forma de difusão da obra de um artista entre seus pares, colecionadores e mecenas. De acordo com a curadora, 50 assistentes trabalhavam no ateliê de Rafael, atuando sob o controle do editor Baviera de Carroccio, que conservava as matrizes e controlava o número de reproduções.

As gravuras oferecem ao visitante um curioso testamento do processo criativo do pintor, que fazia questão de afirmar sua autoria. Os trabalhos eram marcados com a inscrição “Raphael Invenit” (invenção de Rafael), para distingui-lo dos gravadores.