As pessoas que pedem ajuda nos cruzamentos de trânsito adotaram ultimamente uma nova forma de transpor a muralha de indiferença dos vidros de carro fechados; a “dura poesia concreta” de nossas esquinas se garatuja em pedaços de papelão improvisados:

_estou desempregado;

_tenho três filhos;

_preciso de auxílio;

E, terrível na clareza:

Em algum momento passamos a fechar nossos carros, nossas casas, nossas vidas, a qualquer contato de estranhos. É verdade que isso é justificável em um país que não provê subsistência digna a grande parte de sua população gerando criminalidade, e no qual a violência virou regra, mas é lamentável que tenha precisado se tornar hábito. Em tempos melhores os vendedores de bugigangas, de água, de flores, e os simples pedintes, tinham acesso a nossos ouvidos, podiam “vender seu peixe” restando-nos o direito de compra-lo ou não. Agora, circulamos em aquários com ar refrigerado e não ouvimos nada do que está fora deles, nem pedidos de socorro de pessoas que não tem nem o que comer.

Sob qualquer ponto de vista, a sociedade brasileira atual mostra-se bipolar: ao lado de uma economia que bem ou mal sobrevive, e em alguns setores até prospera apesar da pandemia, existem milhões de pessoas excluídas de qualquer benefício, assim como dos serviços devidos pelo governo aos seus cidadãos.

Com a miséria e a exclusão cresce o ressentimento, pessoas que não tem nada, nem como alimentar seus filhos, não entendem com facilidade conceitos como “meritocracia” pela qual a cada um será dado de acordo com seus méritos. Há uma questão basilar de condição de partida a ser considerada, quem nasceu em berço paupérrimo, sem acesso a saúde, alimentação minimamente nutritiva, respeito próprio, e até convívio social e familiar que geraria a chamada base cultural mínima, perceptível principalmente no momento de pleitear um trabalho, não está mesmo em posição de desenvolver grande “mérito” na vida profissional. 

Acesso à cultura acumulada pelo seu próprio povo, conhecimento da trajetória de seus conterrâneos, suas lutas, reivindicações, formas de lazer, músicas e formas de expressão inclui a educação.

Como consequência do processo de exclusão, pelo qual pessoas que antes eram incluídas foram expulsas e marginalizadas, não apenas pela crise da pandemia mas também por processos de mudança social, econômica ou política que precipitaram a falta de acesso a emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico, a boa educação ficou, cada vez mais, restrita a determinados segmentos da sociedade, o que pode redundar em implicações políticas e sociais catastróficas. É difícil acreditar num processo de democratização social, de desenvolvimento cultural e financeiro numa sociedade exposta aos efeitos da ausência de um bom processo educativo, pois ela estará mais sujeita à violência, às revoltas, às competições desenfreadas.

Empresas não tem como prosperar sem bons colaboradores em todos os níveis, preparados pelas escolas para um bom desempenho não apenas técnico, mas também de inter-relacionamentos.

Um bom sistema educacional complementa as orientações familiares, ensinando convivência e normas de civilidade no mundo do trabalho, prepara para a inovação e o empreendedorismo, para a competição saudável e discernimento sobre igualdade de oportunidades.

Infelizmente, grande parte do nosso poder público se ausenta de questões tão simples e básicas como a miséria de grande parte dos cidadãos; auxílios de emergência, bolsas diversas, até mesmo cotas, trazem apenas um ligeiro alívio na catástrofe social. Talvez seja o momento de abrir os vidros, com tudo o que representa de risco, o perigo de não fazer isso pode ser muito maior.  

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.