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A questão da literatura no espaço escolar é um assunto que, de tempos em tempos, retorna à mídia. Muito já se debateu sobre a hora ideal para apresentar autores x ou y do período w ou z da literatura brasileira para estudantes dos ensinos fundamental e médio. Na fala de políticos, youtubers e outros profissionais, não faltam opiniões sobre o que deve ser lido ou não e por quem.

Entretanto, no debate sobre o ensino da literatura, duas questões se confundem e são deixadas de lado: a escola como espaço de formação de leitores e como lugar de ensino de literatura. A primeira diz respeito a estimular a prática da leitura autônoma, por gosto, não só para cumprir finalidades escolares. A segunda, à promoção do contato com textos literários, clássicos ou não, que refletem sobre a realidade e a cultura brasileira.

A partir dessas questões, pensemos em como se ensina literatura ou como textos literários são apresentados por professores. A circunstância problemática fica entre estimular o prazer de ler e a obrigatoriedade de repassar conteúdo.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2020, pela primeira vez identifica hábitos dos brasileiros sobre a leitura de literatura. Chama atenção que, dentre os autores e livros que os entrevistados mais gostam e mencionaram, Machado de Assis é o mais citado, com Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Claro, aparecem na relação, também, autores e livros mais recentes. Mas a menção a um autor considerado difícil e inadequado por alguns é digna de nota.

Independente se são autores clássicos ou recentes, vejamos o que a Base Nacional Comum Curricular propõe a respeito. De acordo com este documento, a literatura e as artes, de modo geral, são percebidas não como conteúdos curriculares, mas como instrumentos de interação social e de comunicação, meios de transmissão da cultura, dos conhecimentos e ensinamentos de comunidade.

Nesse sentido, elas perpassam toda a trajetória de formação do estudante, visando a estimular o desenvolvimento do hábito de leitura, com a finalidade de formar alunos com um pensamento crítico, aberto às diferenças. Ignorar os gostos, hábitos e interesses de leituras dos estudantes é um equívoco.

Se a linguagem de Gregório de Mattos, Gonçalves Dias, Machado de Assis, Clarice Lispector ou Cecília Meirelles parecem distantes, torne-a próxima! Como? Conectando esses textos aos de autores mais recentes, relacionando a outras formas artísticas, como filmes, séries, HQs, músicas. Antes de apresentar um autor, pergunte aos seus estudantes o que eles leem. A partir disso, puxe outros nomes, articule essas preferências a outras.

Assim, a leitura de literatura, dentro ou fora das escolas, está longe de ser uma questão simples. Uma aula é uma conversa colaborativa e coletiva, uma narrativa a muitas vozes. Não há respostas fáceis sobre como estimular e não afastar estudantes, independente da faixa etária. Se, como disse Bartolomeu Campos de Queirós, a leitura só é possível na liberdade, escute, acolha e respeite as escolhas do outro. A literatura não se reduz a um conteúdo curricular, ela é um espaço de reflexão sobre nossos tempos e as desigualdades que nos cercam.

(*) Cleber Araújo Cabral é Doutor em Estudos Literários e Professor da área de Linguagens e Sociedade do Centro Universitário Internacional UNINTER