Deputado constituinte e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim afirmou ter ficado “perplexo” com a discussão na Corte sobre a possibilidade de os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se reelegerem nos cargos. Contrário à recondução, ele citou que a Carta Magna de 1988, que ajudou a elaborar, é clara ao abordar a questão.

“Não é assunto para se estar discutindo porque tem uma regra expressa na Constituição”, afirmou Jobim em entrevista ao Estadão, de sua casa em São Paulo, onde se recupera após contrair covid-19. Aos 74 anos e parte do grupo de risco da doença, ele disse estar bem, apenas com sintomas leves, como cansaço.

O julgamento de uma ação do PTB que trata sobre o tema foi iniciado pela Corte na madrugada desta sexta-feira, 4, no plenário virtual. Os ministros têm até o dia 14 para declarar seus votos. Hoje pela manhã, no entanto, 5 dos 11 integrantes da Corte já disseram ser a favor da possibilidade de reeleição no Congresso. Apenas um, Kássio Nunes Marques, fez a ressalva de que no caso de Maia, que já foi reeleito duas vezes no cargo, não há a possibilidade de mais uma recondução.

Na conversa com o Estadão, Jobim afirmou que a possibilidade de reeleição no Congresso não deveria nem ser considerada pelo Supremo. “Tem regra expressa na Constituição (contra reeleição)”, repetiu o ex-presidente da Corte, que ocupou a cadeira que hoje é de Luiz Fux entre 2004 e 2006. No ano seguinte, Jobim assumiu o Ministério da Defesa, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cargo que também ocupou no início da gestão de Dilma Rousseff. Antes, já havia sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso.

Um dos poucos políticos no País com passagens destacadas pelos três Poderes – Executivo, Judiciário e Legislativo -, Jobim argumentou que admitir a reeleição no Congresso “é desconsiderar a Constituição Federal”. Ele se refere ao § 4º do artigo 57 da Constituição, que diz: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

O então deputado esteve ao lado de Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, e conheceu o “espírito do legislador” ao cunhar a regra sobre a reeleição no Legislativo. Segundo Jobim, o veto foi uma “decisão pessoal” de Ulysses, chamado até hoje de “pai da Constituição” que garantiu ao País seu mais longo período democrático.

“Eu me lembro das razões”, contou Jobim. “A decisão do ‘Doutor Ulysses’ era para evitar a perpetuação de presidentes.” O ex-presidente do STF afirmou ainda que, na época, foi citado como um dos objetivos da regra se evitar a repetição de precedentes, como a chamada “emenda Flávio Marcílio”, apresentada em 1979, ainda durante a ditadura militar, que permitia a reeleição no comando das duas casas do Legislativo. O então deputado Flávio Marcílio, da Arena, partido ligado aos militares, ocupou por três vezes a presidência da Câmara.

“Está tudo muito claro”, reforçou Jobim, que participou do processo de elaboração do Regimento da Assembleia Nacional Constituinte e foi sub-relator da Comissão de Sistematização.

Em seu voto a favor da possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, considerou que a proibição à reeleição no Legislativo surgiu no regime militar. Ele argumentou que a emenda constitucional que liberou a recondução do presidente da República, em 1997, permitiu um “redimensionamento” de toda a Constituição.

Até o início da tarde, outros três ministros haviam concordado com esse entendimento. São eles: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Na prática, os votos abrem caminho para que Maia e Alcolumbre concorram à reeleição em fevereiro de 2021, quando está marcada a disputa pela cúpula do Congresso. Maia nega ser candidato a mais dois anos à frente da Casa.