Estreia nos cinemas brasileiros neste dia 13 (quinta-feira), Ninfomaníaca Volume II, desfecho da saga de uma autodiagnosticada ninfomaníaca. No próprio longa metragem, escrito e dirigido por Lars von Trier (Dogville), personagens questionam que a protagonista Joe -interpretada por Stacy Martin da adolescência à vida adulta, e por Charlotte Gainsbourg posteriormente-, não pode se batizar como ninfomaníaca.

O certo seria viciada em sexo alerta a coordenadora de um grupo de apoio frequentado pela protagonista, mas Joe corrige e diz que, sim, ela é uma ninfomaníaca e essa é a vida que escolheu para seguir.

A primeira parte da história, que estreou no Brasil em 10 de janeiro. A narrativa foi dividida por questões comerciais de distribuição – a versão completa possui mais de 4 horas de duração.

A história começa quando Seligman (Stellan Skarsgard) encontra uma desconhecida ferida em um beco. O homem leva a mulher para casa e oferece cama, comida e ouvidos. Joe começa então a contar sua vida ao desconhecido.

Desde a descoberta do corpo humano nos livros do pai (Christian Slater), que é médico, a vida de Joe percorre diversos caminhos da sexualidade feminina.

Fugindo do clichê sugerido pelo título do longa-metragem escrito e dirigido por Lars von Trier, a história não é apenas sobre a obsessão da protagonista, Joe. A vida não apenas de Joe, de todos os seres, muda. Uma pessoa tem metas e princípios que mudam conforme o progresso da vida.

Quando Joe descobre o sexo, ainda adolescente, ela se submeta a impulsos, aventuras, na maioria das vezes, influenciada por sua amiga B. (Sophie Kennedy Clark).

Antes disso, antes mesmo de entrar em uma sociedade secreta de mulheres que não fazem sexo por amor – elas não se relacionam com um mesmo homem mais de uma vez -, Joe conhece Jerôme (Shia LaBeouf), responsável por tirar a virgindade da então adolescente. Porém, os dois se separam assim que a primeira relação termina. Cada um segue sua vida. Então ela entra no caminho de sexo sem compromisso e o tempo passa. Ao procurar seu primeiro emprego, coincidentemente, Joe reencontra Jerôme e começa a desejar o homem como nunca antes desejou.

Deixando trechos reveladores da trama a quem desejar assitir o filme, Joe termina o primeiro volume desesperada afirmando que não consegue sentir nada. Pouco antes deste momento, ela diz ao homem com quem está na cama: Preencha todos os meus vazios. Inutilmente.

A segunda parte começa com a ninfomaníaca tentando completar seus buracos em campos ainda não explorados por ela. Como o sadomasoquismo ao qual ela se entrega a K. (Jamie Bell), dominador que não encosta na ninfomaníaca.

 

A maioria dos capítulos possui uma estética diferente, por exemplo: Mrs. H, terceiro do primeiro volume, apresenta o desespero de uma esposa traída e abandonada pelo marido interpretada por Uma Thurmam. The little organ school, ainda na primeira parte, mais despreocupado, mostrando as experiências de Joe com vários homens, a quem ela diz que fora sua primeira vez.

Apesar de características frequentes nos trabalhos do diretor dinamarquês desde Medea (1998) – como protagonistas femininas que se submetem a humilhações e condenadas pela sociedade -, Ninfomaníaca apresenta reinvenções e novidades na carreira de Trier. Elementos visuais como algarismos na tela relacionando a perda da virgindade de Joe com os números de Fibonacci; ou a sequência apresentando três personagens diferentes com a tela dividida em três partes. Ninfomaníaca é bastante visual, mas também, na mesma medida, verbal, como nos extensos diálogos entre Joe e Seligman sobre pesca, religião, sofrimento, alegria, música, entre outros temas.

Ninfomaníaca integra a “trilogia da depressão” – nome não-oficial da série de longas iniciada em Anticristo (2009) e Melancolia (2011), com histórias sem ligação umas com as outras. O que faz a história de Joe também ser depressiva é que todo o desespero para suprir o vazio na vida da protagonista e o que ela é capaz de fazer para se preencher. Preencha todos os meus vazios, repete Joe em várias partes dos dois volumes. Mas tudo é inútil. Trier utiliza da ninfomania (ou a busca da protagonista por amor no sexo) como uma ferramenta para mostrar a depressão na existência humana. Uma pessoa viciada faz o (im)possível para suprir sua vontade, preencher todos os vazios, mas sempre haverá algum espaço que não pode ser ocupado.

 

Joe procura em corpos alheios uma justificativa para existir.

A campanha de divulgação do filme nos dizia para esquecer o amor, como se fosse um tema sem importância para o filme, mas, em determinados pontos da história, para que é justamente o amor que motiva a moça a alcançar o lugar onde chegou. A partir do momento que se decepciona com o amor (consequentemente com o sexo e vida), Joe recorre ao desespero pela fuga. Começa a procurar sua cura. Mas se perde.

 

Em seus filmes, Lars von Trier apresenta diversas referências artístico-culturais, seja em um capítulo regido por Joahann Sebastian Bach ou em outro batizado The complete Anger, livro de Izaak Walton. Além das citações explícitas, algumas outras podem ser percebidas por cada pessoa que assiste ao filme. Arthur Schopenhauer e sua teoria máxima de que o amor é a meta da vida, embora não seja sinônimo de felicidade, estão implícitas nos pedidos de Joe para que sua vontade seja realizada, que ela seja preenchida. Mas, na condição de uma viciada, ela não está feliz nem com o sexo nem com o amor. Joe não sabe o que quer.

Como se fosse de brincadeira, Trier faz referência a um de seus próprios filmes. Quem já assistiu Anticristo percebera no capítulo 6 (A igreja ocidental e a igreja oriental – o pato silencioso) uma releitura de uma cena do filme de 2009 – inclusive com a mesma trilha-sonora. Além desta ligação, o compositor Richard Wagner, ouvido em Melancolia, também visita a história de Joe.

 

A vida desta mulher se perde tantas vezes em sua jornada que nem ela mesma sabe se seu maior desejo é amor, sexo ou tudo isso. Joe procura por todos os meios possíveis encontrar satisfação – não apenas o prazer, mas a necessidade de ser preenchida.

Depois de tanto apanhar da vida e de seu vício, decide tentar se ajustar, mas, no último capítulo da narrativa (A arma), a situação foge de seu controle. Eis que o conto de Joe, após imprevistos alcança o presente em que ela é encontrada por Seligman, fiel ouvinte, que absorve as histórias da mulher.

Ele escuta os pormenores da vida da ninfomaníaca, sempre procurando alguma metáfora, citação ou questionamento. A ninfomaníaca afirma que o pescador se torna o primeiro amigo dela.

Seligman argumenta que todo o trajeto dela foi uma luta contra a opressão sexual. O pescador justifica que se ela fosse homem, nada do que ela fizera seria estranho, errado ou imoral, porque a sociedade aceita tais atos, se praticados pelo sexo masculino. Se fosse homem, segundo o amigo, Joe poderia praticar sua ninfomania sem problemas. Ele defende a vida dela, justificando que Joe estava apenas praticando seu direito de ser mulher, de ser humana. Seligman mesmo assume que não é um juiz e não pretende condenar as atitudes de Joe.

 

Trier constrói Ninfomaníaca com todas as partes necessárias para que seja algo concreto, estável, porém, quem deseja ver apenas a parte externa, aquela que mais atrai quem vê (ou seja, o gran finale, com o momento mais importante nos últimos instantes), não satisfaz completamente, e, pode chegar a decepcionar. Também pode sair decepcionado da sala de cinema, quem procura por um filme apenas pornográfico. O filme segue a personalidade de Joe, com muita profundidade, complexidade e instabilidade.

Ninfomaníaca não é só sobre sexo, mas não ignora o amor; é um filme sobre a vida e o desespero de se sentir vazio. Problema que pode afetar qualquer pessoa, viciada ou o que seja.

 

Confira o trailer de Ninfomaníaca Volume II e as salas que exibem o filme em Curitiba.