Thiago Luiz/Projeto Caixa de Memórias/HUAP

A pandemia de coronavírus, marcada pelas atualizações constantes do número de infectados e mortes em várias partes do País e do mundo e pela alteração profunda da vida cotidiana, modifica a relação das pessoas com o luto e confunde as diferentes fases emocionais até a aceitação da morte. Essa é a opinião do psicólogo Marcelo Santos, professor de Psicologia da Universidade Mackenzie Campinas.

“Estágios como negação, depressão, raiva e barganha, que não ocorrem necessariamente nessa ordem, se confundem porque as pessoas revivem a morte diariamente, seja na hora de ligar a TV ou quando alguém fala da pandemia. Com isso, o luto sofre um alongamento e a aceitação pode ficar mais difícil”, diz o especialista.

As teorias citadas por Santos, que dividem a relação com a morte em fases foram desenvolvidas pela psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross. Outras teorias apontam um processo dual do luto no qual as ondas (ou oscilações) entre perda e restauração se alternam.

Para Maria Julia Kovács, professora do Instituto de Psicologia da USP, o luto, processo de elaboração pela perda de uma pessoa querida que envolve sentimentos de diversas ordens e intensidades, encontra dificuldades adicionais durante a pandemia. Mas existem formas de tentar aliviar a dor. “Velórios e enterros virtuais, atendimento do luto por psicólogos online e projetos de manutenção de lembranças e memórias virtuais são meios que ajudam nesse processo. É uma forma de aliviar a dor no momento”, diz.

A mãe do representante comercial Robson (nome fictício) morreu de covid-19 após dez dias de internação em um hospital particular de São Paulo, o pai foi sozinho reconhecer o corpo e ao crematório. Quando a pandemia passar, ele quer organizar uma missa para celebrar a vida de sua mãe, que tinha 57 anos e nenhuma doença preexistente.

Paralelamente à dor do luto, muitas famílias têm de conviver com o estigma, ou seja, a marca pela morte de parentes. “Essas famílias têm de conviver com a dificuldade da perda e ficam expostos à estigmatização de possível contágio. Elas sofrem duplamente. A verdade é que todos estamos sujeitos ao coronavírus. Aquele que estigmatiza poderá ser estigmatizado”, explica Santos.

O especialista lembra que existem exemplos históricos de estigmatização relacionados às doenças. No livro A Praga, a jornalista Manuela Castro mostra como as pessoas com hanseníase eram colocadas à margem da sociedade em função do perigo do contágio. Entre 1924 e 1962, o Brasil utilizou a internação compulsória de pacientes com hanseníase como forma de controle da doença. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Caixa de memórias

A Ação de Humanização para Enfrentamento da Pandemia do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, decidiu transmitir mais afetividade e carinho para a entrega de pertences de pacientes que morrem vítimas da covid-19 a seus familiares. As informações são da 
Agência Brasil.

A partir do relato do chefe do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) da covid-19 do hospital, Túlio Possati de Souza, que ficou angustiado ao entregar a parentes, em um saco plástico, pertences de um paciente morto pelo coronavírus, a psiquiatra Thabata Luiz, que trabalha com oncologia e cuidados paliativos, decidiu criar uma Caixa de Memórias para amenizar a perda dos familiares. Desde ontem, foram entregues cinco caixas de memórias a parentes de vítimas da covid-19.

Agora, os familiares dos mortos recebem a Caixa de Memórias, acompanhada de flores e um cartão com mensagem de apoio e contatos para ajuda psicológica no próprio hospital. 

“Você trabalha um luto de forma mais afetiva com os parentes dos pacientes”, disse a médica. Segundo ela, a ideia foi encontrar uma forma “mais afetiva para que eles possam levar esses pertences e transformar a caixa em uma coisa positiva, talvez guardar coisas importantes, que representem uma história de vida do paciente”.

A inspiração para a criação da Caixa de Memórias, adaptada a esse momento de pandemia, veio de cursos que Thabata faz em cuidados paliativos, ministrados pelos psicólogos Rodrigo Luz e Daniela Freitas, da Fundação EKR-Brasil.