Henry Milleo – Cris Alessi

Protagonista do ecossistema de inovação de Curitiba, o Vale do Pinhão vem gerando negócios, empregos e receitas para o município. E a iniciativa, que completou dois anos em 2019, se consolida como referência sob o comando de uma mulher: Cris Alessi, presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento, órgão ligado à Prefeitura e responsável pela política de empreendedorismo e inovação do município.

Especialista em Marketing Digital desde 2008, Alessi acompanhou de perto as mais recentes transformações do mundo digital, passando do Orkut ao Facebook e agora chegando ao Instagram. Nesse período trabalhou em e para grandes empresas do País e desde 2017 está na Prefeitura de Curitiba, primeiro trabalhando no setor de Comunicação Social e desde o primeiro semestre de 2018 na presidência da Agência Curitiba.

Sob seu comando, em 2019 a Agência conseguiu, pela primeira vez desde sua fundação, em 2007, fechar um ano sem prejuízos, com todas as contas sem dia. Para 2020 a meta é conseguir registrar o primeiro lucro, ao mesmo tempo em que avança no sentido de garantir uma gestão pública 4.0, que utilize as ferramentas tecnológicas disponíveis para aproximar a gestão do cidadão e dar mais transparência ao processo político.

Curitibana da gema, Cris Alessi cresceu vivendo na região norte da cidade e teve desde a infância, dentro de casa, referências de protagonismo feminino e empreendedorismo – a mãe, inclusive, chegou a ser a mantenedora da casa enquanto o pai fazia faculdade. Hoje, trabalha para garantir que inovação e transformação social caminhem juntos em Curitiba.

Caminho começou na publicidade, guinou para a tecnologia e a gestão e acabou no poder público

Bem Paraná: Nasceu em Curitiba mesmo? Viveu onde aqui na cidade?
Cris Alessi: Sou de Curitiba. Nasci no Boa Vista e sempre vivi nessa parte mais norte da cidade: Boa Vista, Cabral, Bacacheri. E hoje moro no Abranches.

Bem Paraná: E o que costumava fazer na infância? O interesse por tecnologia começou logo cedo?
Cris Alessi: Não, até porque na minha infância não tinha nada dessas coisas de tecnologia. Nem na minha faculdade, fui aprender o que era e-mail no final da faculdade. Mas sempre fui uma criança, uma adolescente muito ativa. Tenho duas irmãs, então somos três meninas em casa e sempre fomos muito peraltas. Fiz esporte minha vida inteira, fiz 12 anos de ginástica olímpica, então eu era bem moleca, brincava muito na rua. Tive uma infância muito legal. Sou a irmã mais nova, então minhas irmãs desbravaram o caminho para eu poder sair e ir pra rua desde cedo.

Bem Paraná: E a formação acadêmica foi na área de publicidade?
Cris Alessi: Publicitária, me formei na PUC. Sou formada de 1998, ano de 1998. Mas para escolher o curso de publicidade, o que eu queria fazer, estava bem dividida entre Publicidade e Engenharia Química, para você ter uma ideia, né, nada a ver (um curso com o outro). Mas escolhi publicidade, fiz aqueles testes de aptidão e minha aptidão sempre foi muito de falar, tocava violão, participava de grupo de jovens, dava palestra, fazia trabalho social numa pastoral, então tinha essa facilidade de me comunicar. Acabei fazendo publicidade e foi super acertado. Eu trabalhei com comunicação a minha vida inteira até vir para a área de gestão aqui na Agência Curitiba. Saí da faculdade e já abri minha agência. Trabalhei durante o curso em algumas agências, mas meu pai incentivava a gente sempre a empreender. Ele era empreendedor, minha mãe também, cabeleireira, sempre teve salão. E então esse perfil empreendedor norteou muito a minha carreira.

Bem Paraná: E como se deu a entrada no ramo da tecnologia?
Cris Alessi: Tive a minha agência durante 10 anos e deixei a agência porque recebi o convite de um cliente para trabalhar na área de marketing da empresa dele, a Direct Call, que era uma empresa de tecnologia VoIP. O Skype nem estava no Brasil ainda, estava começando, e aí que foi a minha primeira entrada forte na área de tecnologia. Como publicitária, na agência, a gente já sentia ali em meados de 2006, 2005, 2004, que o mercado publicitário estava mudando. A gente ainda não tinha a internet tão forte, mas os portais de notícias já estavam começando a acontecer, as mensagens de celular, SMS, os usuários já faziam algumas interações tentando sair da voz e começar algumas outras coisas. Então a gente sentia que o mercado publicitário iria mudar. E quando eu fui para essa empresa a questão da programação foi muito forte. Como diretora de marketing eu tinha que interagir com os programadores, porque eles eram a essência do negócio, da tecnologia VoIP. Um produto forte da época, dessa empresa, era você poder viajar para o exterior sem mudar o seu número de telefone. A gente falava que era um cartão único, você viajava e não mudava teu número. Isso, para um CEO de multinacional, era muito importante, você poder ser encontrado nas suas viagens ao exterior. Aí o Skype entrou no Brasil muito forte, as redes sociais nessa época entraram muito forte, o Twitter primeiro e depois o Orkut.

Passei um tempo nessa empresa e para melhorar minha atuação, o meu trabalho, eu fui estudar tecnologia para conseguir falar com os programadores, principalmente, que era um público com quem não me relacionava e precisava entender melhor a área deles para poder demandar melhor a minha área. Aí fui aprender, estudar HTML, CSS, fui tentar aprender um pouquinho disso e fiz um MBA em marketing e tinha uma cadeira de marketing digital. E minha professora na época era Martha Gabriel, hoje uma personalidade muito importante no Brasil em termos digitais, de tecnologia. E aí ela transformou a minha carreira de fato. Lembro que na primeira aula a gente aprendeu a fazer um blog e aquilo me despertou: “Nossa, meu mercado vai girar. Preciso me posicionar, senão eu vou virar um dinossauro aqui na área de comunicação”.

Em São Paulo estava começando também as grandes agências só digitais, já tinham algumas agências importantes se posicionando só com marketing digital. Eu queria voltar para agência, queria voltar mais diretamente na minha área de publicidade, mas queria voltar na área de marketing digital. Pelo Twitter fiz alguns contatos e aí fiz uma parceria, comecei a trabalhar com a Exclam, grande agência da época, e abrimos um braço digital da Exclam, que era a Exclam Web. Aí começamos a trabalhar só com marketing digital, publicidade digital, nas contas da Exclam que eram só offline e na época eles atendiam as grandes cooperativas do estado inteiro. Então eu rodava o estado junto com as equipes de mídia, de atendimento, abrindo um pouco esse mercado pro online, comunicação online. Rodamos o estado, trabalhamos muito com essas marcas de cooperativa, universidades que estavam abrindo fortemente o EAD, e foi uma experiência muito legal.

Na sequência fui convidada pela Heads, para fazer na Heads a mesma coisa que estava fazendo na Exclam. Eles ainda não tinham um braço digital, estavam criando, estruturando esse braço digital, e eu fui convidada para ser gestora desse braço. Daí a Heads era um pouquinho maior: enquanto a Exclam tinha uma forte presença no estado, a Heads já tinha uma presença nacional, com escritório em Brasília, no Rio de Janeiro e logo na sequência abriu em São Paulo. Então expandiu a área digital da Heads pro Brasil todo,e até hoje a área digital fica em Curitiba, mas eles cuidam dos clientes do Brasil inteiro. E aí atendi grandes contas: Petrobras, Banco do Brasil, Ministério do Trabalho, Scielo… Era outra experiência, outro tamanho de conta, contas que já eram mais digitais. Isso foi de 2009 a 2011, aí as redes sociais já estavam muito mais fortes, fazíamos campanhas no Orkut, muita campanha no Orkut. Era época que a gente jogava online nas redes socioais, tinha FarmVille. Fizemos campanha para Petrobras dentro do jogo Cidade Maravilhosa, em que a gente colocava as plataformas de petróleo, postos de gasolina. Então entramos muito nessa área de redes sociais, cuidando das contas de rede social, e tentando também alcançar um público não digitalizado, como no Ministério do Trabalho.

Foram anos de aprendizado fazendo essa mudança de mindset, do off pro on, e de repente ficou tudo misturado.

Bem Paraná: E a entrada no setor público, aconteceu quando e como?
Cris Alessi: Aí nessa oportunidade começamos a fazer um projeto com o governo do estado do Paraná, foi minha experiência na área pública. Eu atendia contas, mas nunca dentro de um órgão. E aí eu fui pra começar o projeto de redes sociais do governo do Paraná, criar as presenças online, porque não existia rede social própria do governo do Estado. E aí minha função era fazer a transição entre a estratégia digital que a gente havia criado como agência de publicidade e a equipe do governo mesmo, para depois a equipe de comunicação tocar. Mas daí nunca mais sai. Me desliguei da agência, fui pra Secretaria de Comunicação do Governo do Estado e lembro até que um amigo meu falou na época: “Cris, você vai entrar na área pública e nunca mais vai sair”. Até lembro que respondi “imagina, jamais, não conheço nada da área pública e minha vida é na agência de publicidade”. Mas realmente nunca mais saí. Me apaixonei pela área pública, pela capacidade de ações afetarem tanto a vida das pessoas e você conseguir, com estratégia, melhorar áreas importantes.

As vezes uma comunicação que você faz pode mudar todo um setor, e isso para mim era muito instigante, sempre fui movida a desafios. Falei “não, quero fazer isso por mais tempo”. Então no governo do Estado trabalhei com esse olhar de redes sociais, criar do zero a rede social de um órgão público, com um fato importante nesse meio do caminho, que foram as grandes manifestações de 2013. Então eu estava no lugar que mais foi afetado por aquelas manifestações, falando nas redes sociais, onde tudo acontecia. Foi um super desafio, um aprendizado enorme de relacionamento com as pessoas nas redes sociais. Com gestão de crise também, logicamente. Mas o desafio de falar e de tentar fazer esse relacionamento ser positivo, ser produtivo, foi muito grande, então me apaixonava muito.

E depois comecei a trabalhar muito com a equipe da Comunicação Social com essa visão de melhorar usabilidade dos portais, simplificar os portais, ter esse olhar que o portal não era um folder, um lugar que se repetia a comunicação offline. Tinha de ser diferente, tinha de ser melhor. E depois a segunda tela parou de ser o celular, que se tornou a primeira tela, e veio o desafio. É uma mudança de cultura, de construir algo pra tela do computador e mudar essa visão para a tela do celular, com menos informação, menos cliques. Então eu acho que passei por essa transformação da comunicação em si, do offline pro online, e fui fazendo, percorrendo minha carreira ao mesmo tempo. A comunicação foi se transformando e eu fui me transformando junto, aprendendo e aplicando ao mesmo tempo.

Tudo que eu percorri no digital, na comunicação digital, de tentativas, de mudanças, de tentar transformar a cultura interna dos lugares por onde passei, me trouxeram para a Agência Curitiba hoje, porque do Governo do Estado fui para a prefeitura com o Rafael Greca, em 2016 participei da campanha. Foi uma campanha muito interessante, que trabalhamos muito forte na área digital. Foi uma campanha difícil, com reviravoltas no final, e quando ele ganhou me chamou para trabalhar na comunicação com ele.

Primeiro ano, 2017 inteiro, trabalhei dentro da Comunicação Digital, fiz o planejamento de comunicação 360. Era legal ter uma folha em branco para fazer, então pensamos muito do marketing, jornalismo e digital trabalhando 360. E aí, como trabalhei na campanha, o Vale do Pinhão era um conceito muito forte já na campanha, olhar Curitiba como uma cidade que foi inovadora desde sempre e que havia perdido esse protagonismo para outras cidades do Brasil. Curitiba sempre vai ser reconhecida internacionalmente pela sua história, mas a gente percebia que não estava no mesmo passo, tinha que retomar. E aí em 2018 o prefeito me convidou para vir para presidência da agência para dar essa segunda virada no Vale do Pinhão.

A primeira virada tinha sido em 2017, essa questão do ecossistema tinha sido trabalhado bastante pelo presidente anterior da agência, mas precisava de fazer os projetos acontecerem na prática e esse foi o desafio que eu aceitei quando o prefeito me convidou a vir para cá. A gente começou a consolidar projetos muito claros, muito relacionamento com outras instituições, com o mercado, com as startups, com os empreendedores da cidade, com o Sebrae, Fiep, ACPs… Então abrindo muito a gestão pública pro diálogo, acho que essa é a grande experiência que o prefeito tem, de se abrir pro diálogo e de não ter medo de testar, não ter medo de fazer, mesmo o que nunca foi feito.

A gente tem orgulho de dizer que hoje Curitiba está entre as seis cidades mais inteligentes do mundo. A força do ecossistema também tendo visibilidade, reconhecimento internacional. Estamos sempre no topo do ranking como cidade inteligente no Brasil, a gente é visto pelo próprio sistema brasileiro como uma cidade que se reposicionou, trabalha.

O Vale do Pinhão tem cinco pilares importantes de atuação, que é a questão da legislação, incentivos fiscais, reurbanização e sustentabilidade, articulação do ecossistema de inovação, tecnologia e educação empreendedora. Então embaixo desses cinco pilares têm um monte de projetos bacanas, como os faróis do Saber da Inovação, os Worktibas, os projetos de sustentabilidade, novas energias, o Palácio Solar, prédio da prefeitura, minihidrelétrica, os carros compartilhados, carros elétricos como protagonistas da cidade, nova lei de zoneamento, lei de inovação, conselho municipal de inovação, o fundo municipal de inovação… Então são bases para que Curitiba, a partir dessa base sólida, continue evoluindo, não volte, não perca esse protagonismo. Mas ainda temos muita coisa para fazer.

Bem Paraná: E como que foi para ti entrar nesse mercado da tecnologia, uma área predominantemente masculina?
Cris Alessi: Até hoje a maioria das mesas que eu participo, dos painéis, é predominantemente masculino. A área da tecnologia é uma área dominada pelo masculino, pelos homens, assim como o digital lá atrás também era protagonizado pelos homens.

Na minha formação pessoal, meu pai sempre incentivou a empreender, a tomar a iniciativa para a vida. A minha mãe era assim, empreendia também desde sempre, então eu acho que nunca percebi que aquele espaço não era meu, eu sempre fui lá e fiz. Só que quando você começa a observar o comportamento, você nota quantas vezes eu tive que me posicionar mais do que se fosse um homem, quantas lutas eu tive de travar a mais do que se eu fosse um homem, quanto a minha carreira foi mais cheia de percalços do que dos homens que se formaram comigo e que talvez tenham tido um percurso mais fácil. Até porque nesse meio tempo fui mãe, fui mãe pela primeira vez com 24 anos, então fui mãe jovem.

Tenho dois filhos, hoje meu filho mais velho tem 20 anos, minha mais nova tem 15. Os dois estão tentando, estão indo para a área tecnologia e eu incentivo eles e principalmente ela que vá para área de tecnologia, porque eu acho que as mulheres têm de ocupar esse espaço. Estamos falando em protagonismo feminino ha muitos anos, mas o número ainda é muito baixo: a cada 10 postos de liderança temos uma mulher. Grandes empresas, as melhores empresas para se trabalhar, a gente perdeu espaço de lideranças femininas, então se estamos lutando tanto pelo protagonismo, os números não estão mostrando que a gente está tendo muito sucesso.

Eu gosto de falar sobre isso para o público masculino e nem falo de empoderamento, mas de protagonismo. Enquanto os homens não falarem de protagonismo feminino, nós não vamos mudar essa máquina, porque são eles que estão contratando. Eles que têm a caneta para decidir contratar mais mulheres ou para decidir fazer com que mais mulheres cheguem a esses cargos. E muitas vezes eu falo sobre isso e alguns líderes falam ‘não, mas a gente não acha. A gente até quer, mas não acha mulheres para ocupar esse cargo’. E eu costumo trazer um dado com relação a comportamento feminino nesse caso. Se você tem lá uma vaga com 10 necessidades, 10 requisitos básicos, se a mulher não ocupar pelo menos seis desses 10 requisitos, ela não se candidata, ela nem tenta. O homem que consegue quatro daqueles requisitos ele tenta a vaga. Isso tem a ver com perfil, é comportamento. Se a gente não entender esse comportamento, vamos continuar falando que as mulheres não se candidatam. Então talvez essa questão de enxergar um pouco mais o comportamento e um pouco menos as atribuições possa fazer essa diferença.

Também os dados nos mostram que as mulheres, na liderança, elas têm potencial melhor de governança, as empresas conseguem melhorar seus índices de governança e consequentemente ter, financeiramente, resultados melhores. Então isso também ajuda nessa argumentação.

E um outro ponto que temos mostrado é quanto ao perfil dos selecionadores, dos RHs. Enquanto não abre as vagas, se aquele currículo é de mulher ou de homem, aumenta significativamente a contratação de mulheres se quem está contratando não sabe se aquele currículo é de homem ou mulher.

Então ainda temos muitos vieses inconscientes para discutir, a gente vem de uma sociedade machista. Na verdade o mundo inteiro está discutindo isso, né. A gente discute protagonismo feminino no mundo inteiro. Então acho que a gente tem que continuar falando sobre isso, a gente tem trazer os números. Isso que falei são números concretos. Não é sobre o que eu acho, é sobre o que é. O mercado de trabalho ainda é ocupado pelos homens. Ainda temos 40 e tantos porcento a mais de renda masculina do que de mulheres, apesar da mulher ter mais formação, mais educação. Então não adianta, a gente tem que discutir, a gente tem que falar, a gente tem que mudar. Agora, se a mulher não participar do mundo da tecnologia, que é um mundo que está mudando comportamentos, que está mudando mercado de trabalho, mudando profissões, se a mulher não for protagonista também nesse mundo, a gente vai ter de novo ou vai continuar tendo um mundo onde os homens vão indicar o caminho e a gente vai ter que seguir, e não é isso o que a gente quer.

Bem Paraná: E qual tem sido o papel do Vale do Pinhão nessa inclusão da mulher no mundo da tecnologia?
Cris Alessi: O Vale do Pinhão é um grande movimento da cidade para promover ações de cidades inteligentes. E aí qual é a cidade inteligente que a gente quer? Uma cidade tecnológica? Tecnologia é importante, mas a gente quer uma cidade humana, uma cidade que tenha as pessoas no centro dessa tomada de decisão e desse protagonismo. Então a gente trabalha, com a questão do protagonismo feminino, muito programas de empreendedorismo feminino, como o Empreendedora Curitibana, onde ela vai se posicionar, ter um ambiente onde fique mais à vontade para discutir ações de empreendedorismo feminino e muito com o olhar de ‘olhe para a tecnologia, olha para a inovação, a inovação na gestão’. Se você é uma artesã e realiza trabalhos manuais, ótimo. Mas de repente pensa nesse trabalho manual com uma pegada de sustentabilidade, para dar um diferencial pro teu produto; pensa num trabalho manual que tenha um diferencial como gestão ou que tenha um impacto social, porque isso vai fazer diferença inclusive na rentabilidade do teu negócio. É um pouco que isso que a gente passa para essas mulheres.

A gente sabe que muitas mulheres empreendem por necessidade, principalmente depois da maternidade, então como conciliar as duas coisas? A gente percebe que as habilidades do futuro, soft skills que tanto a gente fala, são muito habilidades comportamentais e que são mais fáceis para as mulheres terem essas habilidades. Então como você usa toda essa tua experiência de vida, de família, de maternidade, também pro teu negócio?

A gente aprendeu ao longo da nossa vida profissional que a gente tinha de separar a vida profissional da vida pessoal, e isso é muito cruel para a mulher. Como que eu priorizo o meu trabalho ao meu filho? Como que eu priorizo o meu trabalho à minha família? Isso não é natural da mulher, e por isso que ela é multitarefas, é fazer tudo e dar conta de tudo. Ela não precisa ser excelente em tudo, não precisa buscar os superpoderes que a mulher buscou nesse tempo todo, que é um fardo muito pesado, mas você pode, sim, complementar as suas habilidades que aprendeu como mãe pro mercado de trabalho, o que você soube sobre tomar decisões rápidas, gerir conflitos. Quer questão mais tensa de gerir conflito que entre irmãos, né? E isso, você saber um pouquinho disso, é tão importante para uma equipe, para você liderar uma equipe… Então tem de levar isso para sua vida profissional também.

Bem Paraná: E você contou um pouco também sobre os seus pais, comentou que sua mãe era cabeleireira. Eles estão vivos ainda? Quais os nomes deles?
Cris Alessi: Minha mãe chama Irdes e o eu pai João Martins. A minha mãe hoje está aposentada. Ela teve salão de belezas até eu nascer, depois com três filhas se dedicou à casa, à famíia. Mas ela é super ativa, tem 81 anos, faz agora em janeiro, e ainda dirige, vai buscar minha filha no inglês, vai levar no clube, corre para lá e para cá, faz atividades de esportes, de hidroginástica… E tem um ponto muito forte, que ela é muito agregadora, e eu acho que isso eu puxei muito dela, sabe. Então a família toda dela tem ela como centro, ela chama todo mundo para perto, os irmãos, os primos. Ela é a agregadora da família e acho essa foi uma habilidade que eu herdei dela também.

Mas ela, lá atrás, ela que trabalhava pro meu pai poder fazer faculdade. Então ela era a gestora, a mantenedora da casa para o meu pai poder estudar. Ele é formado em Psicologia, mas trabalhou a vida inteira dele com imobiliário, o mercado de imóveis. Ele tinha uma imobiliária, atua até hoje nesse mercado, e me trouxe o perfil empreendedor, de estar sempre buscando algo a mais, de olhar para fora, não ficar só olhando pra dentro, olhar para fora, ter coragem de dar grandes passos…

Graças a Deus tenho uma família maravilhosa, duas irmãs que somos muito próximas, apesar de uma delas morar fora do Brasil. E minha família também é muito perto de mim, assim como meus pais me ensinaram. Meu marido é engenheiro, eu sou publicitária casada com engenheiro, e essa mistura que deu esa liga de olhar um pouco a criatividade e a tecnologia juntas.

Bem Paraná: Você trabalhou nas campanhas do Beto Richa (governador) em 2014 e do Rafael Greca, em 2016 (prefeito)). Como foi essa experiência na política eleitoral e como será em 2020? Vai voltar a atuar nalguma campanha?
Cris Alessi: Não sei ainda, 2020 não tenho ainda minha vida planejada, mas campanha política é uma loucura, é um desafio. E como falei, gosto de desafios, então por isso gosto de trabalhar em campanhas.

Em 2014 foi a campanha de reeleição do Richa para governo do Estado, numa época pós-manifestações. Foi uma campanha em que implementamos muito a campanha digital e o trabalhar um pouco com equipes multidisciplinares, já numa visão 360. Mas a loucura da campanha, tomar decisões muito rápidas e ir remodelando as estratégias no mesmo tempo em que as coisas vão acontecendo, são ali dois meses de muito trabalho, não tem hora para entrar nem hora para sair, e muitos desafios. Eu gosto, acho que você se põe à Prova. Costumo dizer que trabalhar na campanha é MBA, você aprende muito e sobre várias áreas: tem que aprender muito sobre tevê, números, trabalhar com dados, vê os resultados das pesquisas, das sondagens, monitoramentos… Uma peça foi pro ar, já mede aquela peça, trabalha com dados… Essa questão hoje é super importante, porque estamos falando de trabalhar com dados pro planejamento como um todo, big data, inteligência artificial. O dado hoje é uma coisa muito importante para qualquer área e isso aprendi um pouco nas campanhas.

Campanha do Greca começamos com zero dinheiro, o Greca vinha de um partido minúsculo, diferente então do PSDB, que era gigante na época do Beto Richa. O Greca era do PMN, um começo super pequeno. Então você se desafiar, conseguir ter muita criatividade para fazer muita coisa e alcance com e até pouca articulação que se tinha na época. Mas ele por si só é um case de comunicação, ele é um grande orador e a cultura dele encanta as pessoas de fato. Você passar 10 minutos conversando com o prefeito é uma aula sobre muitas coisas, e principalmente uma aula sobre Curitiba. Então ele era uma pessoa muito fácil de a gente passar o que ele queria dizer, porque ele conseguia fazer isso por conta própria muito rapidamente cada vez que abria a boca. Então a gente fazia muita live com ele. Lembro que a gente entrava num carro para fazer um deslocamento de um lugar pro outro e fazia isso em live, porque a gente passava e ele ia contando sobre a historia daquela região de Curitiba, era uma delícia também.

Então, campanha política é MBA.

Bem Paraná: E nessas duas campanhas em que participou já dava para vislumbrar o que viria a ser as eleições de 2018? Porque em 2018 vimos as mídias tradicionais, em especial a televisão, perdendo o protagonismo para as campanhas virtuais…
Cris Alessi: Dava, dava sim. Na verdade, por eu trabalhar com digital muito antes, fazia campanha de redes sociais lá em 2008, então eu já vi que as novas tecnologias iam mudar esse mercado. Então pense isso em 2014… Na verdade, a gente já tinha tido a campanha para a Prefeitura de Curitiba em 2012, quando as redes sociais fizeram já a diferença pra um candidato ganhar com poucos votos, mas com uma estratégia de redes sociais. Então isso vem se desenhando ao longo do tempo. O que nos deixa um pouco assutados é a capacidade de viralização e hoje muito sobre a questão de fake news, de ética, a questão de a gente tomar mais cuidado, ser também mais críticos. Porque quando temos uma grande avalanche de informação, e esse é o grande ponto das redes sociais, é muita informação e nunca uma informação curada, nós somos os curadores do conteúdo que chega até a gente. Então aumenta a nossa responsabilidade como cidadão, como tomador da decisão de compartilhar aquela notícia ou não, compartilhar aquela informação ou não, gerar uma informação crível, correta, ou não, porque nós mesmos geramos a informação hoje. Então 2018 percebemos essa polarização, causada principalmente pelas redes sociais, acredito que em 2020 isso também vai continuar, mas acreditamos que estaremos um pouco mais maduros para ter um pouco mais de filtro, sermos um pouco mais cuidados com relação à informação falsa. Quando você trabalha numa campanha, percebe o quanto uma informação deturbada, colocada no contexto errado, não verdade, afeta pessoalmente, e não só pessoalmente, as pessoas, todo o entorno daquilo. Então a nossa responsabilidade como geradores de conteúdo, como formadores de opinião, tem de sempre passar pelo que é nossa responsabilidade como sociedade, que é sermos transparentes e sermos éticos. Se tivermos esses dois valores para tudo, para pequenas e grandes coisas, a gente consegue realmente transformar o nosso país, e é isso o que a gente quer e o que a política deve querer também. O lado bom da política é a gente conseguir transformar a vida das pessoas para melhor. Então esses dois valores são fundamentais.

Bem Paraná: E em 2017 você vai pro setor de comunicação da Prefeitura e participa da reformulação, da remodelagem da página no Facebook da Prefeitura, um case de sucesso nacional na gestão Gustavo Fruet…
Cris Alessi: A página da Prefs foi um case de sucesso na gestão Fruet, e não dá para negar o que eles fizeram de aproximar a gestão pública das pessoas com a linguagem. Mas quando a gente chegou e avaliou os dados da página da Prefs, percebemos que 80% da audiência não era de Curitiba, porque a página era um case nacional. E aí a nossa decisão de planejamento era que a página da Prefeitura de Curitiba precisaria conversar com o curitibano, preferencialmente. É claro que vai ter situações em que você precisa conversar com o Brasil inteiro. O Natal, por exemplo. Quero que todo mundo do Brasil venha para Curitiba veja esse Natal maravilhoso que tem nas nossas ruas. Mas no dia a dia eu preciso prestar conta pro curitibano. Então por isso que a gente remodelou um pouco a linguagem. A gente não tirou uma linguagem mais simples, mais lúdica, mas a gente tirou a linguagem que era extrema, a linguagem que na nossa visão de planejamento não era equilibrada em termos de gestão pública. A gente queria que a página da Prefeitura transmitisse a essência da gestão, como uma gestão mais perto do cidadão, mais próxima dos bairros. Então a gente se preocupou nessa remodelagem da Prefs para isso. E aí muito cedo, no primeiro trimestre de 2017, percebemos essa mudança. Não perdemos o alcance das postagens, mas a gente já tinha a virada para que esses muitos milhões fossem de Curitiba, mais de 60% de Curitiba. E hoje continua assim, com a página tendo milhões e milhões de alcance.

Logicamente que o Facebook perdeu o protagonismo e hoje as ações de Instagram e YouTube também têm sido muito fortes nesta gestão. Então hoje a estratégia de rede social da comunicação social segue muito essa visão de trabalhar com multi canais, os vídeos muito fortes. Hoje eles tem um perfil do Spotify, curado pro curitibano, com muitas playlists bacanas, que respeitam o gosto curitibano também musical. Eu fico muito orgulhosa de ter começado lá atrás essa estratégia e de ver que hoje tem pessoas tão competentes quanto eu na época para mantê-la forte e com muito alcance.

Bem Paraná: E como surgiu a oportunidade em 2018 de vir para a Agência de Desenvolvimento e para o Vale do Pinhão?
Cris Alessi: A gente sabia qual era nosso objetivo de Vale do Pinhão desde a campanha, né. 2017 foi um ao de articulação do ecossistema, mas de alguma forma a gente sentia falta de ações concretas para isso acontecer. Foi uma época de mudança de alguns secretários, o próprio secretário de Comunicação saindo da pasta e mudando, e nessa mudança a gente reavaliou alguns dos programas. Então fechamos um ano de gestão, olhamos pros números e vimos: isso aqui foi muito legal, isso aqui a gente não alcançou ainda o que a gente sonhou. Como que a gente alcança?

E aí definindo como a gente alcança, via comunicação mesmo pontuamos algumas coisas que faltavam. E como eu tenho essa experiência não só de comunicação, mas também de gestão, por ter sido empreendedora, ter trabalhado em grandes e para grandes empresas, e conhecendo muito o que o prefeito queria com o Vale do Pinhão, o que ele achava de fato que podia acontecer, e tendo passado esse um ano vendo todas as áreas da Prefeitura – 2017 foi um ano muito difícil financeiramente para Curitiba, teve o Plano de Recuperação, mas a Comunicação agrega todas as áreas, então eu tinha uma visão muito holística da gestão -, e aí o prefeito me fez esse convite. Ele disse “Você conhece o projeto, aonde queremos chegar, e eu queria que você liderasse isso lá na Agência de Curitiba”.

Bem Paraná: E como funciona o mandato na presidência da Agência e do Vale do Pinhão? Porque trata-se de uma empresa de economia mista, não?
Cris Alessi: O cargo tem o período da gestão, é indicação do prefeito e validado por um conselho de gestão da Agência, que diz se a pessoa indicada pelo prefeito tem capacidade técnica de ser o gestor. E aí o conselho validou a indicação e eu comecei em março, abril de 2018 aqui E foi muito legal, porque além do que a gente vê do Vale do Pinhão, a Agência, como várias áreas da Prefeitura, em 2017, pela situação financeira da cidade, teve um plano muito forte de contingenciamento financeiro. Então a vinda da agência para esse prédio onde hoje está, que é um grande engenho, já foi uma maneira de segurar os gastos. Em 2017 a gestão da Agência fez um plano de redução de salários, remanejamento de pessoal, contingenciamento de orçamentos muito forte. Foi um ano de apertar os cintos de toda a gestão pública e com a agência não foi diferente. Então em 2017 a gente já tinha conseguido na agência segurar os gastos, mas historicamente a Agência Curitiba nunca conseguiu dar lucro.

A gente é uma empresa de economia mista, então a Prefeitura é a principal acionista, mas temos outros acionistas, então ser economia mista nos dá parte gestão pública e parte gestão privada, então temos compromissos financeiros com esses acionistas. Então a gente começou a avaliar para trás e vimos que a Agência teria de se posicionar em termos de estão; Começamos em 2017 com o contingenciamento, quando eu vim para cá já começamos a estabelecer outras metas fortes de retomada, inclusive buscando no mercado privado outras formas de recurso. Então abrimos espaço para eventos, como o Paiol Digital, que fazemos todos os meses no Teatro Paiol. Buscamos patrocínio empresarial para exposição de marca, é uma referência em inovação e é interessante para muitas marcas estarem próximas do Vale do Pinhão, que já é referência em inovação. E com isso em três anos conseguimos reverter: de uma empresa que historicamente sempre deu prejuízo, este ano a gente acaba sem prejuízo. Então em três anos a gente estancou o prejuízo, pagamos nossas contas e terminamos o ano sem prejuízo. E isso é muito legal para a gente como case de gestão e agora nossa meta é que em 2020 consigamos ter nosso primeiro lucro como empresa.

Bem Paraná: E o que é hoje o Vale do Pinhão e a Agência Curitiba de Desenvolvimento e o que vocês imaginam que essas duas instituições podem vir a ser, podem vir a representar para o futuro da cidade?
Cris Alessi: O Vale do Pinhão é um grande movimento da cidade de Curitiba para promover ações de cidades inteligentes. É a cidade se abrindo como grande teste, como espaço para desenvolvimento de ações de inovação, sejam elas tecnológicas ou não. A partir do momento em que a gente se abre, a gente atrai para cá mais empresas, mais indústrias e consequentemente mais empregos. Isso é um ponto importante pro programa Vale do Pinhão, gerar mais empregos, mas também capacitar as pessoas para esses novos empregos que estão surgindo. Hoje, das 100 startups mais valiosas do Brasil, 10 estão em Curitiba. Nós somos a terceira cidade em geração de emprego do Brasil, responsáveis por quase 40% da geração de emprego no Paraná e temos um n´mero expressivo na geração de empregos na área de tecnologia, conseguimos aumentar a arrecadação com ISS na área de tecnologia. E nos próximos anos queremos trazer mais a parte de inteligência artificial e a tecnologia mais pesada para a gestão pública e também privada, tornando Curitiba um importante hub de tecnologia e de inovação do Brasil. Queremos que a inovação seja cada vez mais um processo de transformação social, queremos que o cidadão seja cada vez mais inteligente para a gente, de fato, poder dizer que nossa cidade é uma cidade inteligente. Não existe uma cidade inteligente sem o cidadão ser capacitado para isso.