SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A história de “9 Sambas”, novo disco do cantor e compositor Rodrigo Campos, começa 13 anos atrás.

Em 2005, já um instrumentista de destaque nas rodas de samba paulistanas, e com um álbum com parceiros na bagagem, Rodrigo se aventurou naquilo que imaginava ser seu primeiro trabalho solo.

O resultado no estúdio, contudo, não poderia ter sido mais decepcionante para ele. “Quando ouvi a gravação do primeiro dia, eu me deparei com a minha inexperiência. Aquilo não soava como os discos que eu escutava, mas eu nem sabia identificar o que estava errado”, diz. Desiludido, abandonou o projeto.

Sua discografia solo só seria iniciada em 2009, com o lançamento do elogiado “São Mateus Não é um Lugar Tão Longe Assim”, no qual evoca suas memórias do bairro da zona leste de São Paulo onde passou a infância e a adolescência. Desde então, Rodrigo Campos vem erigindo uma obra -hoje composta de cinco discos- que o coloca entre os nomes mais relevantes da atual geração da música brasileira.

Mas a ideia de retomar o projeto abortado -um disco dedicado ao samba-, nunca lhe saiu da cabeça.

No ano passado, Rodrigo iniciou a composição das novas canções e, como que encerrando um ciclo artístico-existencial, pôde enfim dar vazão ao seu “primeiro trabalho” -mas à maneira daquele que retoma um caminho após já havê-lo percorrido.

“Esse disco é o resultado uma vida ouvindo samba de forma atenta, mas também das pessoas com as quais trabalhei desde o começo da minha carreira”, explica músico de 41 anos nascido em Conchas, no interior paulista.

Ao contrário de seus álbuns pregressos, em que o samba aparecia como matéria-prima a ser talhada, neste, explica Rodrigo, ele é o protagonista, o elemento ordenador.

“Eu me propus a trabalhar dentro dos limites do gênero samba, o que pediu um equilíbrio que eu tive que encontrar. Se eu escorregasse para um lado, viraria um disco careta de samba; se escorregasse para o outro, ele se tornaria experimental. Eu me mantive nessa corda bamba durante todo o processo.”

Tal característica -a de saber dosar os elementos com precisão para atingir o fim almejado- é uma das principais qualidades artísticas de Rodrigo, segundo o cantor Romulo Fróes, seu parceiro no projeto Passo Torto. 

“Ele possui uma clareza muito grande sobre aquilo que quer fazer. Não conheço ninguém que possua tanto rigor na hora de compor. Não que não haja imperfeições nos discos dele, mas são controladas, desejadas, em certo sentido. Elas não aparecem espontaneamente”, diz.

Para o multiartista Nuno Ramos, que compôs as letras do disco anterior de Rodrigo, “Sambas do Absurdo” (feito em parceria com Gui Amabis e Juçara Marçal), o criador de “9 sambas” carrega um poder de formalização musical único. “Ele é um artista profundamente lúcido, que consegue achar a medida de cada coisa e equacionar as mais variadas referências sem que nenhuma delas perca força”.

Não à toa, seus discos mais se parecem a projetos de pesquisa artística e pessoal.

Em “São Mateus”, Rodrigo parte de sua aldeia para falar do mundo, tentando apreender um período específico de sua vida. Seu álbum seguinte, “Bahia Fantástica” (2012) -pelo qual foi escolhido, em 2013, artista revelação no prestigioso Prêmio da Música Brasileira- traz uma reflexão sobre o medo da morte a partir de seu encantamento com a Bahia. Em “Conversas com Toshiro” (2015), o compositor se vale da cultura japonesa para investigar “as minhas sombras e as do ser humano.”

“Esses lugares todos”, diz Nuno Ramos, “funcionam como uma espécie de cenografia que ele usa para se orientar em territórios estrangeiros. Nesse sentido, eu o considero um artista extremamente contemporâneo, pois ele consegue levar a sua origem, que é o samba de raiz, o pagode, para dentro de contextos completamente diferente, fertilizando-os.”

Neste último trabalho, o lugar que o compositor explora é o próprio samba.

Nele, Rodrigo diz ter buscado assumir o personagem sambista. “Quis brincar de Cartola, de Zé Keti, de Nelson Cavaquinho. Para compor as letras, tentei identificar alguns assuntos próprios da linguagem do samba, mas sempre buscando desconstruí-los.”

Ele dá como exemplo a faixa “Clareza”. “Trata-se de um conceito muito presente no universo do sambista, você deve ser claro naquilo que diz. Mas, na canção, eu boto essa clareza em dúvida, pois a clareza que eu evoco é a do Carlos Castaneda, que no livro ‘A Erva do Diabo’ a coloca como um dos inimigos do conhecimento. Clareza é algo que ilumina, mas também cega.”

A canção também foi gravada por Elza Soares -com quem Rodrigo tem colaborado, tocando, compondo e arranjando- em seu último disco, “Deus É Mulher” -outras duas músicas de Rodrigo estão no álbum anterior da cantora, “A Mulher do Fim do Mundo”.

Com relação ao canto de Rodrigo em “9 sambas”, Walter Garcia, pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, assinala que a voz dele ocupa, no disco, “uma região mais aguda do que grave, o que poderia sugerir que ele canta expressando sobretudo sentimentos; mas não é isso que acontece, por dois motivos: ele canta mais atento ao ritmo do que às emoções; e ele canta sem muita intensidade, como se estivesse próximo de quem escuta”.

Do ponto de vista instrumental, trata-se de seu trabalho mais minimalista e econômico. “Embora meu objetivo fosse fazer um disco de samba, não queria que fosse um disco comum. Hoje os álbuns de samba têm a característica de ser instrumentalmente muito cheios. O caminho que eu encontrei foi o de tirar coisas”, diz o compositor.

Essa opção estética, afirma Walter Garcia, faz de “9 Sambas” um disco de sambas que não foram feitos para dançar, com exceção talvez da faixa “Bandeira”. E os arranjos, via de regra, também criam sonoridades de pequenos ambientes fechados, não de locais abertos e amplos como terreiros, praças ou avenidas”.

Analisado como um todo, conclui Garcia, “trata-se de um disco muito bonito, que merece ser escutado com atenção, na íntegra, muitas vezes”.

“Todos os álbuns dele são obras de muita força e inspiração”, diz Nuno Ramos. “A impressão que eu tenho é que ele consegue atingir o coração da música; quando ele toca, as coisas parecem ir todas para os seus verdadeiros lugares, uma coisa à la João Gilberto, de achar o núcleo da música, em vez de sua superfície espalhafatosa. Dentre os artistas da atual geração, Rodrigo é um dos que seguramente vão ficar para a posteridade.”