O atacante Matheus Davó traz no nome uma homenagem à pessoa que o levava para os treinos no início da carreira. Como os pais estavam sempre trabalhando, Helena Alvarenga, sua avó, levava o menino à escolinha de futebol Clube do Magrão, em Pirituba, e também à escola normal. Por isso, o menino virou o “Matheus da Avó”. Pegou. Hoje, o sucesso do atacante no Corinthians deixou a avó ainda mais famosa. Em todo canto, ela é a “avó do Matheus, do Corinthians, ou a “avó do Davó”.

O Estadão se espantou quando viu a dona de casa de 83 anos subindo uma ladeira comprida, que desanima só de olhar, em Pirituba, zona oeste de São Paulo. “Ela gosta de bater perna”, entrega a filha mais velha, Elietti, que mora com ela. Há 55 anos, a senhora de cabelos curtos e grisalhos mora na mesma casa com portão preto. Na varanda, perto da churrasqueira, dona Helena se senta em uma cadeira de balanço de vime, mas fica apenas na pontinha, sem apoiar as costas. Ela se recorda da infância em Piracaia, interior de São Paulo, muito antes dos três filhos: Elietti, Liliane e Roberto. Muito antes do neto que virou jogador do Corinthians.

“O segredo dos 83 anos? Acho que é por que eu morava na roça. A alimentação natural ajuda um pouco, né?”, diz, alisando a camisa florida. Aos 14 anos, ela se mudou para São Paulo com a família. Trabalhou em uma fábrica de tecidos e foi cozinheira por 25 anos no Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, no mesmo bairro. Dona Helena tem um jeito sossegado e tranquilo. Dá uma paz conversar com ela. Mas, de vez em quando, ela pregava peça nas pacientes do hospital. Uma delas tinha mania de limpeza. De brincadeira, Helena e as colegas da cozinha separavam um pouquinho da terra que ficava nas cascas das batatas e colocavam na chave do quarto dessa paciente. Ela ficava desesperada. Gritava. Lavava as mãos e a chave. Gritava. E não conseguia entrar no quarto. E os filhos dão risada quando dona Helena conta essa história. Depois da aposentadoria, a cozinheira foi cuidar dos netos.

Ela está lúcida, entende tudo direitinho, mas fala pouco. Respostas curtas, só o essencial. Elietti vai dando uma mãozinha e a conversa flui. As lembranças parecem embaralhadas, mas acabam se juntando. O avô materno faleceu aos 63 anos quando Davó era criança. Ele não viu a ascensão do neto. “É uma emoção muito grande ter um neto como jogador. Para mim, ele não mudou. Continua o mesmo Matheus”, diz a vovó.

A ladeira de Pirituba é testemunha de que ela não tem limitações de saúde. Apenas uma diminuição na audição, coisa comum na velhice. Por isso, é precisa falar um pouco mais alto. Barulho de verdade ela ouviu na primeira vez que foi ao estádio. Foi neste ano, no jogo Corinthians x Santos pelo Campeonato Paulista, na Neo Química Arena. Ela chorou e fez todo mundo chorar. A alegria foi forte, mas ficou pela metade. Davó não jogou. O atacante ainda está cavando seu espaço.

Contratado em janeiro pelo Corinthians, o jovem de 21 anos teve poucas oportunidades com o técnico Tiago Nunes e o interino Dyego Coelho. Contra o Grêmio, neste domingo, o atacante engata apenas seu quinto jogo consecutivo como titular. Com dois gols no Brasileirão, o menino de Pirituba é uma aposta do técnico Vagner Mancini.

As palavras de dona Helena vão além da carreira do neto famoso. Sentada na cadeira de balanço, olhando para algum cantinho da varanda, ela resgata o ato de contar histórias, coisa rara hoje em dia. Os filhos vão preenchendo os espaços vazios da memória, um esquecimento que aparece aqui e ali. A história da vó do Davó virou uma história coletiva da família, cada um dá um pitaco até o quadro de uma vida inteira ganhar todas as peças.

O jogador profissional realiza um sonho de vários parentes que bateram na trave como jogadores. Inclusive o avô paterno, o corintiano fanático Marino, também falecido. Uma das tristezas do menino foi não ter ido ao enterro – ele estava jogando em Joinville (SC). “Somos uma família em que vários tentaram a profissão de jogador de futebol, mas não chegaram até onde o Matheus chegou. Meu primo ainda usou essa frase: ‘somo todos um pouco Matheus'”, diz Liliane Alvarenga, a mãe de Davó.

Liliane é uma figura importante nessa história. Muito se fala da avó, mas e os pais do atleta? Aos 47 anos, Liliane é vendedora em um correspondente bancário do banco BMG há dez anos. O pai do jogador, ex-marido de Liliane, também trabalha com vendas. Por causa da rotina puxada de bater as metas comerciais, eles não conseguiam ir aos treinos e jogos. Foi difícil até falar com eles. O Estadão só conseguiu depois de várias tentativas e uma interrupção do plantão de Liliane.

“A minha mãe é uma guerreira, mulher forte, trabalhadora e doce. Que bom que essas coisas estão acontecendo com ela. Ela merece muito”, diz a vendedora. “A família inteira está muito feliz”, completa. Uma curiosidade: dentro de casa, o jogador do Corinthians não é chamado de Davó. É apenas Theus.

Após quase uma hora de idas e vindas na memória, dona Helena oferece um cafezinho já se levantando da cadeira de balanço. Ela diz que cozinha pouco agora. Quem faz tudo são os filhos. Raramente ela faz o macarrão com mussarela que o Matheus gostava tanto. Hoje, ele sempre aparece para vê-la. A principal tarefa é correr atrás dos dois bisnetos. E a memória pula de novo de volta para o começo da história, em Piracaia. A octogenária diz que gostava de brincar de boneca quando era criança. Depois das bonecas, vieram os filhos. Netos. Bisnetos. “Foi a vida inteira cuidando das pessoas”, resume, sorrindo com o canto dos lábios e balançando a cabeça em sinal de aprovação.