Frankin de Freitas – Ciro Macedo

Não há mais limite de idade para fazer cursos, entrar para a faculdade, mudar os rumos da carreira, empreender. Os números da Universidade Aberta da Maturidade (UAM), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), provam que o projeto de extensão destinado a pessoas com mais de 60 anos é um sucesso. Criado em 2012, o curso dura um ano, com atividades cujos temas são inclusão digital, direito e saúde do idoso, atividades corporais, meio ambiente, gerontologia, arte e cultura. As aulas são ministradas em dois polos, Curitiba e, desde 2019, também em Palotina, já formaram 726 alunos até agora. Já na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), 51 estudantes acima dos 60 anos estão matriculados na instituição.

“Vivo cada dia, amanhã é um presente”

O aposentado Ciro Macedo, 79 anos, participou da turma de 2019 da UAM, que só foi concluída no ano passado, devido à pandemia. Bacharel em Direito, ele trabalhou até os 70 anos e, depois de três casamentos (o último deles após os 60), atualmente mora sozinho. “Sou independente, gosto de cozinhar, frequento muito cinema. Voltar aos bancos universitários, em minha idade, será inesquecível. As aulas foram ótimas, bons professores da UFPR e convidados, temas superinteressantes e atuais. Eu tive um aproveitamento maior do que esperava, ótimo também pela socialização, que fez falta quando tivemos de fazer as aulas remotamente”, disse.

E Ciro não parou por aí. “Após alguns meses, participei de um curso de extensão da UAM, de menor duração, mas muito bom, com direito a certificado de conclusão. Temos um grupo de WhatsApp para continuarmos nossa comunicação. Há um bônus adicional dos cursos, pois estamos inscritos como possíveis participantes de pesquisas para trabalhos de graduação e talvez pós. Já participei de vários, o último esta semana sobre habilidade com aparelhos celulares e tabletes”, descreveu o aposentado, que também adora viajar e não se abate, mesmo com problemas recentes de saúde.

“Vivi alguns anos em Balneário Camboriú, após os 70 voltei a morar em Curitiba levando uma vida tranquila até os 78 anos, quando fui diagnosticado com câncer de rim. Cinco meses depois de retirá-lo, me submeti a uma cirurgia de troca de válvula cardíaca. Tecnicamente, a alta total só aconteceu agora em junho. Com esses eventos, natural o declínio de atividades tipo academia que eu praticava. Também faço um regime muito severo para preservação e funcionamento do rim. É uma situação que preciso de muita disciplina, possibilidades de socialização diminuem muito, mas vivo cada dia, amanhã é um presente”, finalizou com serenidade e sabedoria.

“Depois de encerrar o negócio, os clientes me fizeram recomeçar”

A exemplo do Ciro, Antônio Otto Kintezel se redescobriu empreendedor aos 77 anos. E ele não é um caso raro. Segundo levantamento feito ano passado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, 7,3% do total de empreendedores do país têm mais de 65 anos. Antônio começou a comercializar as broas que fazia com a receita da família, de origem alemã, há 20 anos, quando tinha pouco menos de 60 anos. Com o sucesso das broas, chegou a ampliar a linha de produção, com o produto sendo vendido em 150 pontos. Mas quando o negócio estava estabelecido e tinha oito funcionários, veio a pandemia. Preocupados com o pai, os filhos de Antônio pediram que ele encerrasse a produção.

“Não tive como continuar, ficamos isolados, eu e a minha esposa, mas as encomendas que eu sempre recebia por telefone foram sendo substituídas por ligações e e-mails com pedidos dos clientes para que eu voltasse a entregar meu produto. Quando encerrei a empresa, pensei que seria minha aposentadoria. Até que um dia meus filhos estavam aqui em casa e coloquei as ligações para eles ouvirem, eram os clientes, que mesmo sem as broas por mais de um ano, continuavam pedindo para que eu voltasse. Então, depois de encerrar o negócio, os clientes me fizeram recomeçar”, contou.

E foi assim que o Seu Antônio voltou a empreender, aos 77 anos, e buscou orientações do Sebrae. Ele abriu uma nova empresa e renasceu com ela, há menos de seis meses. Os pedidos, que antes eram feitos apenas por ligação telefônica, e até e-mail, agora são realizados também via WhatsApp. Ele mesmo recebe os pedidos, coloca a mão na massa duas vezes por semana e entrega as broas para os clientes.

Exemplos

Declínio do corpo versus auge do desenvolvimento

Ciro e Antônio são exemplos de que a vida após os 60, abre muitas possibilidades. De acordo com Flávia Maria de Paula Soares, psicóloga, psicanalista, professora da PUCPR, e autora do livro: “Envelhescência: o trabalho psíquico na velhice”, é preciso pensar a velhice como um tempo de desenvolvimento, de amadurecimento pessoal, emocional. “Há um declínio do corpo, mas em termos psicológicos talvez seja o auge das possibilidades de desenvolvimento, pois o que foi vivido na vida pregressa, a história de vida pode ser utilizada como recurso para elaboração das experiências atuais na velhice. Nem todos conseguem, alguns tem maior dificuldade ou facilidade do que outros”, disse, em conversa com o Bem Paraná.

A especialista também alertou para a importância da mudança de concepção social sobre a velhice. “É preciso que a concepção de velhice como tempo de adoecimento, de perdas, de morte, de solidão, de isolamento, de declínio, seja percebida e significada como tempo de aprendizagem, seja intelectual, emocional, social e espiritual. Na medida que as pessoas do entorno dos velhos, e a sociedade como um todo, se vejam nessa perspectiva teremos maior reconhecimento social e saúde psicológica dos idosos. Provavelmente essas mudanças de concepção sobre a velhice na atualidade já estão acontecendo, elas podem ser lentas, mas são necessárias: uma sociedade que valoriza os seus idosos é uma sociedade mais humana”, ponderou Flávia Soares.

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