SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – ​Na noite do último domingo (16), em Itabaiana, agreste de Sergipe, o motorista de um ciclomotor (uma “moto” de até 50 cilindradas) foi atingido por um carro e morreu.


Na semana anterior, em Itajaí, interior de Santa Catarina, o piloto de uma dessas “cinquentinhas”, como são chamadas, perdeu o equilíbrio após esbarrar em um caminhão e morreu na queda. Dias antes, um acidente similar deixara um morto em São Miguel dos Campos, em Alagoas.


Acidentes como esses não são raros. No ano passado, ciclomotores foram responsáveis por 3.457 indenizações do seguro DPVAT, a compensação paga a motoristas e passageiros vítimas de acidentes de trânsito.


O governo Jair Bolsonaro (PSL) suspendeu por um ano a exigência de aulas para quem quiser permissão para dirigir esses veículos. O argumento é que a “proposta facilita a vida das pessoas que possuem ciclomotor, já que o custo da formação do condutor é muito alto”, segundo o Ministério da Infraestrutura, onde está o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).


Proporcionalmente, os ciclomotores representam uma parcela alta do número de acidentes, já que são 0,39% da frota nacional -há 387.458 veículos registrados-, e representam 1% das indenizações pagas pelo DPVAT (a maior parte delas, 75%, envolve acidentes com motocicletas).


No ano passado, o DPVAT pagou 379 indenizações em que as vítimas de acidentes morreram —cada uma custa R$ 13.500. Houve ainda 2.416 compensações pagas a pessoas que ficaram inválidas permanentemente, além de 662 para o reembolso de pessoas que precisaram de tratamento médico. O valor total pode chegar a R$ 39,5 milhões.


Entre os acidentes contabilizados pelo seguro, 2.867 vítimas eram os motoristas, 407 eram passageiros, e 183, pedestres atingidos.


O Contran (Conselho Nacional de Trânsito), órgão formado por ministros de Bolsonaro, publicou resolução na segunda-feira (17) em que, entre outras coisas, reduz o número exigido de aulas teóricas e práticas para obter a ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor) de 20 para 5 horas.


Mas o texto também suspende por um ano essa necessidade, de modo que quem procurar uma habilitação no próximo ano poderá fazer só o teste prático.


Até 2016, não se exigia autorização para pilotar ciclomotores, mas a obrigação era uma demanda de entidades de segurança no trânsito. Esses veículos têm no máximo 50 cilindradas e atingem velocidade máxima de 50 quilômetros por hora.


A ACC tem baixa procura, já que condutores com CNH do tipo A (motos) já têm automaticamente autorização para pilotar uma “cinquentinha”.


Procurado pela reportagem, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o custo da formação é uma das principais reclamações de candidatos à habilitação. “Quando esse aspecto é relacionado à ACC, o problema se torna ainda mais grave, considerando que grande parte dos proprietários de ciclomotores é formada por pessoas de baixo poder aquisitivo. Assim, a alta carga horária aumenta o custo do processo de formação, aumentando a quantidade de pessoas conduzindo ciclomotores sem a necessária autorização”.


“Considerando a velocidade máxima que os ciclomotores alcançam, bem como as suas restrições de circulação, é razoável concluir que as dificuldades para condução de ciclomotores não devem ser equiparadas àquelas que se apresentam na condução de motocicletas e motonetas. Logo, o processo de aprendizagem para sua condução deve ser regido por regras distintas, com menor rigor para quem deseja obter a ACC.”


A suspensão por um ano, diz a pasta, tem como objetivo facilitar a habilitação de condutores que não puderam seguir as regras. “Trata-se de um período de transição, para que o cidadão que já conduz ciclomotor sem estar devidamente habilitado, possa regularizar sua situação, obtendo a ACC.”


No dia que a resolução foi publicada, à reportagem o superintendente da ANTP​ (Associação Nacional de Transportes Públicos), Luiz Carlos Néspoli questionou a suspensão das aulas: “Por que então ter aula para carro? Não vi discussão sobre isso”, afirma ele, que ressalta o fato de o conselho não ser técnico, mas formado por quadros ligados ao governo federal.


Para Luiz Célio Bottura, especialista em engenharia de trânsito e ex-ombudsman da CET, “é uma medida que coloca na linha risco” a população, ao aumentar a possibilidade de acidentes.


“É impossível que toda a experiência técnica, não só da engenharia como também da medicina de tráfego, esteja errada. Por que facilitar essas habilitações? Vale a pena, por proposta eleitoral?”, questiona ele.


Na mesma resolução que muda as regras de habilitação de ciclomotores, o governo reduziu o número de aulas práticas necessárias para tirar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e tornou opcional o uso de simuladores de trânsito em auto-escolas.


Bolsonaro tem lançado uma série de mudanças nas regras de condução no país. Projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso propõe aumentar o prazo de validade da CNH, extinguir a exigência de cadeirinha para crianças e acabar com o exame toxicológico para caminhoneiros, entre outros pontos.


O presidente defende também a retirada de radares móveis nas rodovias federais do país, chamados por ele de “armadilha”, e cancelou o pedido de renovação de 8.000 novos radares eletrônicos.


Em maio, Bolsonaro assinou medida provisória que muda a composição do Contran. O órgão deixou de ser chefiado pelo diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e passou para o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.