Recentemente, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná decidiu pela legitimidade dos animais não humanos para figurarem como autores de uma ação judicial, que versa sobre o pedido de pensão e indenização, em razão dos maus tratos e a privação da liberdade sofridos por dois cães.
Para compreender o impacto dessa decisão e a sua importância no cenário jurídico é preciso analisar, separadamente, a proteção jurídica dos animais não humanos e a possibilidade de serem autores das ações judiciais que discutam tais direitos.

A proteção em si ocupa os debates jurídicos, inclusive no Brasil, já a algum tempo. Em verdade, passa a despontar no início do século XX, especialmente, na Inglaterra e na França. Tanto que neste último país, em 1924, foi publicada a Declaração de Direitos dos Animais.
Durante décadas, timidamente, o tema ganhou espaço no cenário mundial até que no ano de 1978, a UNESCO proclamou a “Declaração Universal dos Direitos do Animais”, que dispõe de uma maneira geral sobre a impossibilidade de animais não humanos sofrerem maus tratos ou serem privados de liberdade. Também, essa Declaração considera o abandono como um ato cruel e degradante. Mais recentemente, Alemanha, França e Portugal alteraram a forma de tratamento jurídico, uma vez que passaram da categoria de meras coisas a seres vivos dotados de sensibilidade.

No Brasil, ainda tratamentos como coisa, mas, caminhamos para uma maior proteção jurídica, inclusive, em 2020, houve um agravamento da pena de maus tratos dirigidos a cães e gatos, para reclusão de dois a cinco anos (Lei nº 14.064/2020). E sabemos que o caminho a percorrer ainda é muito longo e bastante espinhoso para a árdua tarefa de disciplinar adequadamente o direito dos animais, especialmente, porque é preciso saber quais são os animais que serão protegidos. Será que o ser humano pode realizar a distinção daqueles que são merecedores ou não de direitos? Como classificá-los como sencientes e qual o grau de consciência a ser pensado?

Por outro lado, no que diz respeito a efetividade dos direitos já existentes e que pode ser concretizada por meio de ações judiciais, instaurou-se a dúvida sobre quem poderá propor essa ação. A rigor, a legitimidade seria dos tutores. Contudo, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a situação degradante, os maus tratos e até a privação da liberdade decorreram da omissão destes tutores, ou seja, aqueles que deveriam prezar pelos direitos foram os que impediram a sua realização.

Os dois cães, autores da ação, pedem em face dos tutores pensão e indenização pelos maus tratos sofridos, porque foram abandonados durante vinte e nove dias.
Sem muitas opções para proteger os animais e na ânsia de vê-los protegidos, optou-se por dar-lhes o direito de propor ação, concedendo-lhes legitimidade processual, não obstante a ausência de legislação neste sentido. A justificativa jurídica que seriam os cães aqueles que realmente sentiram os maus tratos e as dores de serem abandonados, por isso, teriam a legitimidade de requerer a indenização advinda desta situação.
Apesar de ser um avanço para os que defendem a proteção dos animais não humanos, tal decisão pioneira apontou novos questionamentos para além daqueles acima indicados e que diziam respeito a proteção em si. É que se há possiblidade de ser autor de uma ação, também há possibilidade de ser réu? Será que as atuais categorias jurídicas são suficientes para a proteção e efetividade dos direitos destes animais não humanos?

Em verdade, percebemos que temos mais perguntas do que respostas nos dois pontos aqui analisados: a proteção e a sua efetividade. Mas, sabemos que estamos apenas no início desta caminhada e o importante é, de alguma maneira, prosseguir.

Glenda Gondim é advogada especializada em Direito Digital, Famílias, Sucessões e Responsabilidade Civil. Mestre e Doutora em Direito pela UFPR