
Na última segunda-feira (10) tive uma oportunidade única. Convidado pelo Luiz Otávio do site Raia Leve, fui ao Rio de Janeiro para participar do primeiro Seminário de Turfe Brasileiro, que aconteceu no Hipódromo da Gávea e contou com diversas presenças ilustres.
Lá estavam os presidentes dos quatro maiores Hipódromos do Brasil, Fábio Câmara representando o Jockey Club de Pernambuco, o presidente da ABCPCC Antonio Quintella e diversos proprietários de renome.
E neste congresso tive oportunidade de conhecer pessoalmente a Adriene Trinca, responsável pelo Marketing da PMU Brasil nestes três anos. Uma pessoa inteligentíssima, conhecedora do mercado e que fez um trabalho espetacular nestes três anos com ações pontuais. Nunca tinha visto uma empresa investir tanto em turfe.
Infelizmente pelo rico conteúdo do seminário, as apresentações foram atrasando e minha apresentação, que seria de 15 minutos teve que ser reduzida para apenas 5 minutos. Então decidi apenas tocar em pontos específicos, deixando todos os tópicos que queria citar de lado.
Pois bem, uma semana depois resolvi falar um pouco deles. E o intuito não é de vaidade, mas sim para que estes pontos de uma visão “diferente” de mercado cheguem aos outros hipódromos que assim como o Jockey Club do Paraná, não têm uma verba específica para compra de mídia.
Realidade: PMU Brasil e Hipódromos
A primeira situação que precisa ser esclarecida é que a PMU Brasil não era o Jockey Club Brasileiro. A estratégia de marketing da empresa não era para o crescimento do clube e sim para vender apostas.
Claro que aumentar as apostas é importante. Também é óbvio que a PMU Brasil ajudou muito o Jockey Club Brasileiro, assim como fez ações pontuais com o Jockey Club do Paraná e Jockey Club do Rio Grande do Sul.
No entanto, o ponto principal é este: o foco era gerar lucro para a PMU (não entendam mal, a PMU fez muito peãlo Jockey Club Brasileiro). Contudo, o “carro chefe” eram as apostas.O que é normal, uma vez que o investimento era todo da empresa francesa. Foi muito bem feito e realmente elas aumentaram, ajudando muito o JCB não só no aumento do MGA, como também na visibilidade do esporte.
O turfe não vive apenas de apostas:
A maior razão da maioria dos hipódromos brasileiros passarem por dificuldades financeiras está diretamente relacionada com a “cultura das apostas”. Claro que aumentar o movimento de apostas é o foco principal. Mas nenhum hipódromo consegue sobreviver apenas de apostas.
Quando eu disse isso no seminário, vi muitos turfistas mais antigos “fechando a cara”. Afinal, o tema anterior era exatamente “apostas”. Contudo, analisem friamente a situação de cada clube.
O presidente Luiz Alfredo Taunay disse mais ou menos isso no seminário: “Hoje o que nos dá prejuízo são as corridas. Enxuguei as contas do clube e o que está fazendo a conta fechar são os 20 mil sócios que temos”.
Se o maior hipódromo do Brasil, que dá quatro reuniões semanais não conseguiria sobreviver só das apostas, o que faz pensar que outros hipódromos com quadro associativo quase que inexistente conseguiriam bancar corridas só com os valores das apostas?
No Cristal existe os arremates para tentar fechar as contas, mesmo assim houve atraso de premiações e o clube passa por recuperação financeira. O Cristal dá – ao contrário da Gávea – uma corrida semanal. Precisa utilizar as sextas-feiras para ter a possibilidade do simulcasting com Cidade Jardim e Gávea e com estas apostas de outros centros se tornar “viável”.
No Tarumã as corridas são quinzenais. O clube conta com uma verba do Jockey Plaza Shopping que ajuda muito no fechamento do caixa. Não está devendo nada para ninguém, entretanto, as contas estão completamente alinhadas. O presidente Roberto Belina chegou a citar que “a receita é de R$ 500 mil e os gastos são de R$ 500 mil”.
Em Cidade Jardim as coisas estão bem complicadas. O Jockey deve muito dinheiro e suas receitas são bloqueadas, inclusive as das apostas. E por que surgiu esta dívida? Diversos páreos de graduação, com dotações altas e como dito acima, só as apostas não pagaram as contas lá atrás. Hoje é o Jockey Club mais endividado da América do Sul. E olhe que Cidade Jardim por um bom tempo liderou o país em volume de apostas.
Enfim, resumindo este tópico. Hoje não é possível fazer turfe no Brasil apenas contando com o movimento de apostas. As coisas mudaram e – ao meu ver – alguns dirigentes e turfistas com visão mais antiquada não se atentaram para isso.
Não estamos mais em 1970:
É comum em redes sociais ver saudosistas comparando o turfe de hoje com o da década de 70 e 80. Naquela época eram famosas as transmissões de rádio, as casas de apostas e principalmente os hipódromos ficavam lotados.
Isso tinha um motivo muito claro: só se conseguia ver corridas e apostar in loco. No máximo na agência de apostas ou apenas torcer pelo rádio. Sim, as transmissões eram feitas por rádio para o grande público.
O jornalista Luiz Renato Ribas em uma oportunidade me contou que quando um dos melhores animais do Tarumã foi correr o GP Protetora do Turfe no Cristal, ele conseguiu fazer uma transmissão de rádio ao vivo para toda a Rua XV de Novembro, calçadão tradicional do Centro de Curitiba. Isso para que aquela corrida chegasse ao conhecimento do grande público.
Hoje você em qualquer lugar do mundo assiste as corridas na palma de sua mão, pelo celular. E nem precisa baixar aplicativos ou plataformas mirabolantes. Os canais dos hipódromos no YouTube transmitem tudo ao vivo, de forma totalmente gratuita.
E assim também funciona o sistema de apostas. Ninguém precisa mais estar na frente de um guichê para apostar. Tudo pelo celular. É impossível não relacionar isso ao esvaziamento das arquibbancadas. E este não é o único motivo.
Um exemplo que funciona muito bem é o dos shoppings, onde conseguimos exemplificar como a modernização “atrapalhou” o turfe, principalmente se continuar sendo feito de uma maneira tradicional.
Em Curitiba, o primeiro grande shopping center foi inaugurado em 1982, o popular e até hoje icônico Shopping Mueller. De lá para cá temos no mínimo mais seis grandes shoppings e mais uma dezena de shoppings com tamanho menor.
Sem falar dos parques, que desde a década de 90 cresceram absurdamente e, um mais lindo que o outro, lotam todos os fins de semana. Isso é uma grande concorrência para o Jockey Club, principalmente se estivermos focando no grande público e no público jovem.
Enfim, a concorrência é absurda. Para trazer o público ao Jockey precisamos de muito mais que “apenas” corridas de cavalo. Temos que criar um um ambiente que comece a competir de igual para igual com os shoppings no inverno e com os parques no verão.
Hipódromos cheios são novas receitas:
Não sei como foi a negociação do Jockey Club Brasileiro com a quase “centena” de food trucks que fizeram parte do GP Brasil. Vamos trabalhar aqui com o que normalmente é pago em um evento aberto.
A chamada “rolha” é paga pelo food truck ao organizador do evento, no caso o Jockey, no valor de 10% do que ele comercializa no dia. Isso é normalmente compravado via PDF de caixa e acertado ao fim do evento.
Se no Festival do GP Brasil passaram 25 mil pessoas durante o fim de semana, com um ticket médio de R$ 25,00 por frequentador (estimativa baixíssima). Um evento deste nível – novamente afirmo que não sei como foram feitas as negociações, estou usando apenas como um exemplo – geraria R$ 62 mil reais limpos para o clube.
Isso em uma média bem baixa. Porque o chopp mais barato custava R$ 10,00 e os alimentos em média R$ 15,00. Mas este valor só é possível de arrecadar se tiver público dentro do clube.
Agora imagine se esta estrutura estivesse disponível no próximo fim de semana. Iria fidelizar quem começasse a frequentar. Fazendo isso, além de conquistar novos apostadores iria transformar o Jockey em um “point”. Se você tem um público fiel de três mil pessoas por reunião, automaticamente todo o espaço se valoriza. Fora isso, você arrecada R$ 30 mil mensais só da “rolha”.
O restaurante que hoje paga pouco, com o aumento do movimento vai ter que pagar mais pelo espaço, porque vão ter outros “na fila” para assumirem seu lugar. Os food trucks, que hoje o clube tem que ligar para pedirem que venham, procurarão o Jockey para querer participar. Farão fila, desde que tenha público para eles atenderem. E a lei da “oferta e procura” vai inflacionar o preço do espaço, gerando ainda mais fundos para o clube.
Chegará um ponto em que o clube parará de trazer “prestadores de serviço” e ele mesmo tocará o restaurante, os bares do clube e os principais quiosques de chopp e alimentação. Aí o lucro não será apenas os “10% da rolha”, e sim 100% de tudo que é vendido.
Se o Jockey vira um ponto de encontro aos domingos, com espaço para as crianças brincarem, famílias se divertindo, jovens vindo para tomar seu chopp com os amigos, exatamente como acontece em diversos parques da cidade, você tem um produto espetacular para vender mídia. Você não vai mais precisar comprar.
Um exemplo claro é os fundos do MON – Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Ele tem como pano de fundo o Museu, mas o local que lota é um terreno gramado de fundos para ele. Nem a vista do belo museu em forma de olho é vista do lado de lá. Você pode passear com seu cachorro, aproveitar os bares no entorno e os food trucks dentro dele. Sem pagar nada.
Para se ter uma ideia do sucesso que o famoso “parcão” faz, neste fim de semana ele foi locado pela prefeitura para o Festival de Jazz. Os pontos de bares do entorno custam mais de R$ 150 mil cada. E empresas de telefonia, concessionárias, empresas de tecnologia e start ups compram o espaço para fazer diversas ações/ativações no local.
Se o Jockey conseguir atingir este público e transformar suas dependências em um “parque de entetenimento”, a médio prazo isso será um “poço” e novas rendas. Sem falar na comercialização dos espaços no entorno. Quanto custa um outdoor dentro de um shopping?
E esse é um dos principais modelos para manter os Jockeys Clubs. Receita adicional. Mas para isso precisamos colocar público dentro do Jockey. Se você tem um clube cheio, você não precisa fazer com que todas aquelas pessoas joguem nos cavalos. Você rentabiliza em cima do público. Do que ele necessita para passar uma tarde agradável.
E este sim é um modelo inédito no turfe brasileiro. Porque a PMU fez um excelente trabalho na gestão de apostas, marketing para a venda de apostas e divulgação do turfe. No entanto, o foco eram as apostas. E como dissemos acima, é muito difícil sustentar um clube só com as apostas.
Como trazer este público?
O primeiro passo para atrair o grande público para dentro do clube e desmistificar que o Jockey é um “clube de rico”, um “jogo de azar”, que “os cavalos são maltratados” e que aqui é “lugar de viciado”. Queira ou não, esta é a imagem que está atrelada ao turfe.
Para se afastar deste rótulo é necessário ações que hoje são admiradas pela sociedade. Feiras de adoção de cães e gatos, ações com crianças carentes, divulgar os trabalhos que já são feitos em relação a equoterapia e etc.
Também precisamos nos aproximar da grande mídia. Criar notícias. Hoje é praticamente impossível – e agora falo como jornalista – conseguir colocar uma matéria em um jornal impresso ou em um portal grande com manchetes como “Dez páreos e Betting acumulado em R$ 50 mil”. Isso ninguém vai publicar, acreditem. Ninguém!
A imprensa tem como um de seus pilares publicar serviços para o público. Então se você divulga através de assessoria uma manchete como “Jockey promove Festa Junina com entrada e estacionamento gratuitos”, TODAS as mídias vão publicar. Porque este tipo de notícia viraliza e nenhum veículo quer ficar para trás. Além do mais, isso é “serviço” que a imprensa tem como “obrigação” divulgar.
Este tipo de notícia, ou um “Jockey promove passeio de pôneis gratuitos” também tende a viralizar nas redes sociais. Porque as pessoas começam a marcar amigos e compartilhar a notícia, fazendo com que os algoritimos das redes sociais expandam cada vez mais aquela matéria.
Para o veículo de imprensa é bom porque gera “page views” e para o clube é espetacular, pois se trata de propaganda gratuita. Quem não tem dinheiro para comprar mídia, tem que atacar neste modelo de divulgação. Mas para ele funcionar é extremamente necessário que em cada reunião tenham atrações para o público.
Depois que você estiver com o público lá dentro, divulgar o próximo evento via panfletagem é essencial. Para quem estiver ali saber que não é um evento único. Que no próximo fim de semana ou dali quinze dias ele pode se programar para voltar que a festa será a mesma. Comunicação visual dentro do clube através de banners divulgando as próximas corridas também deve ser uma ferramenta obrigatória.
Por fim, a excelência no atendimento. Fazer com que estas pessoas que estão ali se sintam especiais. Ter gente para atendê-los, ensinar a apostar com paciência e mostrar que eles dentro do clube são importantes. Desde o que vai jogar dez reais durante a reunião e vai tomar uma casquinha de sorvete até quem vai estar na Tribuna de Honra apostando R$ 500,00 por páreo.
Ainda existem mais formas de conseguir verbas. Os Jockeys são enormes, com diversas áreas que poderiam – e em muitos clubes são – exploradas fora dos dias de corrida. A realização de shows (como o Outubro Rosa, da Rede Massa no Tarumã), eventos de outras raças de animais, feiras têxtis (que hoje são feitas em barracões) e principalmente feirões de automóveis, podem render receitas para não somente equilibrar as contas do clube, como também para elevar nossos hipódromos a outro patamar.
É uma visão com seus 10% de utopia? Sim. Entretanto, transmissões ao vivo de corridas já foramm uma utopia, simulcasting já foi uma utopia, os drones filmando provas de cima cima já foram uma utopia. E se 10% é utópico, vamos trabalhar em cima dos 90% que são realizáveis.