
Funcionários em regime de home office e híbrido foram monitorados por meses — seus cliques, tempo de tela e registros de máquina eram analisados diariamente. No entanto, apesar desse controle constante, muitos foram desligados de forma abrupta, sem aviso prévio, sem diálogo e sem qualquer oportunidade de defesa.
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O motivo alegado? “Problemas de produtividade e falta de aderência cultural”. Mas esses indicadores foram definidos unilateralmente, sem qualquer processo de feedback, advertência ou plano de melhoria. Mesmo diante de dados que mostravam que centenas de pessoas não estavam entregando o esperado, a não houve qualquer tentativa de correção de rota por parte do banco.
Esse cenário revela um paradoxo: a empresa investiu em ferramentas de monitoramento, mas negligenciou o fator humano. A gestão baseada exclusivamente em métricas técnicas ignorou a importância da comunicação, da escuta ativa e da construção conjunta de soluções. O resultado foi um processo de desligamento em massa que, além de questionável do ponto de vista ético, pode gerar sérias implicações jurídicas.
O que está em jogo no caso das demissões do Itaú
Essa decisão revela uma cultura organizacional marcada por alto risco psicossocial. E mais: o Itaú registrou lucro bilionário no último semestre, o que torna ainda mais difícil justificar cortes dessa magnitude sob a alegação de baixa produtividade.
Segundo o Sindicato dos Bancários, os desligamentos foram baseados em registros de inatividade nas máquinas corporativas — em alguns casos, períodos de quatro horas ou mais de suposta ociosidade. No entanto, esse critério é extremamente questionável, pois ignora fatores essenciais como:
A complexidade do trabalho remoto
Possíveis falhas técnicas e contextos de saúde
A sobrecarga emocional e cognitiva dos trabalhadores
A própria organização e dinâmica das equipes
Embora a demissão em massa seja permitida pela legislação trabalhista brasileira, ela exige cuidados específicos para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e que o processo ocorra com responsabilidade social. A empresa deve comunicar previamente o sindicato da categoria, e construir um plano de ação e comunicação com os empregados. Essas práticas não apenas evitam danos reputacionais, como também fortalece a confiança nas relações de trabalho — especialmente em momentos delicados como esse.
Base jurídica: o que diz o STF
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário 999435, com repercussão geral (Tema 638), decidiu que:
“A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo.”
Ou seja, mesmo após a reforma trabalhista de 2017, o diálogo com o sindicato é obrigatório antes de qualquer demissão coletiva. A ausência dessa negociação fere princípios constitucionais como o direito ao trabalho, à dignidade da pessoa humana e à valorização social do trabalho.
No caso do Itaú, o Sindicato dos Bancários afirmou que não houve qualquer negociação ou comunicação prévia, o que pode configurar infração legal. Além disso, os critérios utilizados para os desligamentos — como tempo de clique ou inatividade da máquina — são subjetivos e automatizados, ignorando contextos humanos, técnicos e organizacionais. Isso fere princípios de boa-fé, previsibilidade emocional e dignidade profissional.
Reflexão final sobre o Caso Itaú
A ausência de feedbacks, advertências e apoio à recolocação reforça o risco de dano moral coletivo. Mil pessoas foram desligadas sem saber o que poderiam ter feito diferente, em um processo que desconsiderou a complexidade do trabalho remoto e os impactos emocionais da decisão.
Em um cenário de lucro bilionário, justificar mil desligamentos como “irrelevantes” diante de um quadro estimado de 96 mil empregados soa como uma desumanização da força de trabalho. Empresas precisam compreender que cada desligamento carrega uma história, uma família e um futuro — e que a empatia é um valor estratégico, não apenas ético.
Em tempos de transformação digital e ESG, desligar sem escutar é mais do que um erro estratégico — é um sintoma de uma liderança que falha em liderar, comunicar e construir soluções coletivas.
*Advogada Trabalhista e Consultora em Sustentabilidade corporativa. Conta com uma equipe especializada em direitos do trabalho, riscos psicossociais e cultura organizacional.