
Quem já participou de uma transação de compra e venda de empresa provavelmente já se deparou com um contrato bastante extenso e com muitos anexos. Possivelmente também já se questionou o motivo. Fato é que a riqueza de detalhes pode ser determinante na resolução de eventuais disputas em torno da interpretação de qualquer contrato, especialmente quando se refere a transações de maior complexidade e com efeitos de mais longo prazo.
Geralmente, nesse tipo de transação, não há uma parte que possa ser considerada hipossuficiente. Mesmo que haja um natural desequilíbrio na relação (diferentes poderes econômicos, diferentes necessidades etc.), parte-se da premissa que todos estão devidamente representados por profissionais especializados e, portanto, compreendem as obrigações que estão assumindo. Essa premissa é relevante, pois conduz a uma maior liberdade contratual – como não há um polo que necessita maior proteção, são poucas as normas legais aplicáveis que limitam as regras passíveis de negociação.
Como resultado da liberdade de contratar e do tempo pelo qual as obrigações de cada parte podem se estender, são bastante variadas as possibilidades que se apresentam em relação aos termos de uma transação de M&A (“Mergers & Acquisitions”, o que significa em português “Fusões e Aquisições”): preço, forma de pagamento, momento da transferência de quotas ou ações, obrigações prévias à transferência, obrigações após a transferência, responsabilidade de cada parte por passivos, procedimentos em caso de reclamações de terceiros etc. Também são variados os fatos que podem ocorrer após a assinatura do contrato e cujo tratamento deve ser determinado pelo próprio contrato, sendo impossível prevê-los com completude e exatidão.
Como a lei não regula o tratamento específico a ser dispensado em toda situação, grande parte das disputas que surgem é resolvida com a busca pela solução que teria sido razoavelmente dada pelas próprias partes se tivessem antecipado a situação no momento da redação do contrato. A própria lei da liberdade econômica de 2019 reforçou essa diretriz acrescentando ao Código Civil brasileiro normas expressas de interpretação de negócios jurídicos que privilegiam a boa-fé, o comportamento das partes (interpretação teleológica), os usos, costumes e práticas do mercado, bem como a razoabilidade extraída das demais disposições do contrato (interpretação sistemática) e da racionalidade econômica.
No que tange às transações de M&A, deve-se ainda considerar a assimetria de informações: por melhor e mais abrangente que seja a diligência prévia conduzida pelo comprador, ele jamais conhecerá tão bem quanto o vendedor todo o histórico da empresa e os riscos a ela relacionados. Naturalmente, para interpretar qual seria a intenção das partes quando da redação do contrato e a solução razoável e de boa-fé, ainda que o risco seja inerente a qualquer atividade empresária e a qualquer transação de M&A, há que se considerar o que cada parte sabia no momento da contratação e o risco que de fato estava concordando em assumir.
Dessa forma, portanto, os extensos contratos de M&A se apresentam como os melhores instrumentos voltados não só a registrar os termos contratados entre as partes, mas também a registrar de forma mais completa possível o contexto da transação e a intenção das partes. Assim, vendedores e compradores tendem a reduzir os riscos de efeitos significativos e indesejados da relação estabelecida.
Maurício Ribeiro Maciel é advogado, sócio e head da área Societária e especialista em Governança Corporativa e Fusões e Aquisições do Marins Bertoldi Advogados