Ontem, na fila do caixa do supermercado, presenciei uma situação bizarra que explica um pouco o nosso Brasil de hoje: um grupo de 3 clientes discutindo a fila de transplante de coração que supostamente foi furada pelo apresentador Faustão. 

E as considerações eram evidentemente as mais aleatórias possíveis. Um disse que o apresentador era o 380º da fila, mas que acabou tendo prioridade, para ao final do comentário concluir: “esse nosso país é uma m….”

O segundo, na sequência, considerou que se fosse com o filho dele (imagino que fosse o caso do filho ser preterido na ordem), que estava ao lado, e aparentava não ter mais que cinco anos, iria resolver na “bala”. 

E por fim, o terceiro, muito bem informado, ainda apimentou a discussão dizendo que o primeiro da fila havia dado preferência ao Faustão depois de receber uma generosa quantia estimada  em 8 milhões de reais.

E eu, que não sou fã do Faustão, mas também não quero que ele morra, resolvi participar do debate, começando pela questão do filho do segundo, que pelo tamanho e idade certamente não estaria competindo com o apresentador por um coração novo, já que, mesmo não sendo médico, não era difícil concluir que um coração que  servisse para bombear o sangue no corpo adulto, ainda mais do Faustão,  certamente não caberia no peito de uma criança. 

 E com os três me olhando com “cara de poucos amigos”, terminei dizendo que sempre é possível haver alguma manobra, aonde quer que seja, sobretudo se tratando de filas, mas que a gestão de transplantes de órgãos no Brasil é uma referência de qualidade e seriedade, e que dificilmente o sistema se deixaria corromper, mesmo que a favor do Faustão, até porque se  trata de um processo com várias etapas e muitas interfaces, não sendo crível que todas estivessem orquestradas para beneficiar o ex-apresentador da Rede Globo.

E nesse exato momento o caixa ao lado ficou livre, e me despedi pedindo licença, sem saber se seria alvejado pelas costas por um tomate ou um ovo sacado às pressas do carrinho de compras de um dos três. 

De todo modo, embora inconclusivo, o debate ilustrou bem quem é a boa “classe média” brasileira: gente dotada de verdades absolutas, certezas santas, tudo muito bem constituído com base na mais fidedigna fonte de informações: o grupo de “zap” da família e dos amigos do clube.

Carlos Augusto Vieira da Costa é Procurador do Município de Curitiba