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(José Fernando Ogura/AEN)

Um recurso ainda pouco utilizado por empresários é capaz de melhorar o rendimento da equipe, a organização do ambiente de trabalho, as relações entre colaboradores e ainda minimizar riscos de ações trabalhistas indesejadas. O regimento interno é uma ferramenta poderosa, capaz de esclarecer situações cotidianas que a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) não prevê, como uso de celular, dress code, pausas para café ou tarefas extras não descritas no contrato. A falta desse documento é um dos fatores que faz do Brasil líder do ranking mundial de ações trabalhistas.

Em 2024, as ações na Justiça do Trabalho no país atingiram o maior volume em anos, com mais de 2 milhões de novos processos, um aumento de 14,1% em relação a 2023, registrando um novo recorde pós-reforma trabalhista. Os serviços diversos (27,9%), a indústria (20,6%) e o comércio (13,1%) foram os setores com o maior número de novas ações. Grande parte desses processos, afirmam especialistas, poderia ser evitada com a adoção de um regulamento interno.

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Desde que não ultrapassem os limites da legislação trabalhista, as empresas podem ter seu próprio conjunto de regras para regular relações e comportamentos. Fundador do INDE – Instituto Nacional de Direito e Empreendedorismo, o advogado empresarial Samuel Miranda explica que o regulamento interno, ou regimento interno, é um documento complementar à CLT. “A legislação estabelece regras gerais, mas não entra nos detalhes do dia a dia dos diferentes ramos de atividades. O regulamento serve para detalhar funções, horários, EPIs, vestimenta e até o vocabulário dentro da empresa. Ele evita lacunas que podem gerar ações por acúmulo de função, assédio ou descumprimento de obrigações”, explica.

Para ele, quando bem elaborado, o documento traz segurança jurídica para ambas as partes. “Se eu determino que a secretária pode atender telefonemas e servir café, não há acúmulo de função. Mas, sem essa previsão, abre-se espaço para questionamentos judiciais”, comenta.

Entre os temas que podem ser disciplinados estão: uso de celular e redes sociais, pontualidade, pausas, dress code, tarefas complementares, normas de segurança e procedimentos disciplinares. Mas há limites. “O documento não pode conter regras abusivas ou discriminatórias. O princípio da razoabilidade precisa nortear as disposições. É possível, sim, proibir redes sociais durante o expediente ou exigir uniforme em funções que lidam com o público. O que não se pode é impor condutas que violem direitos fundamentais”, alerta o advogado.

10 exemplos de situações que um regulamento interno pode evitar:

Discussões sobre uso de celular no expediente;

Queixas de favoritismo em promoções;

Ações por acúmulo de função (ex.: secretária x copeira);

Conflitos sobre vestimenta ou dress code;

Reclamações sobre pausas excessivas (café, cigarro);

Acusações de assédio moral por ordens mal definidas;

Litígios por horas extras não registradas;

Ruídos sobre quem deve ou não atender clientes;

Atritos entre funcionários por regras de convivência;

Rotatividade elevada por falta de transparência.

Conflitos evitáveis e impacto na saúde mental

Questões aparentemente simples são as que mais geram litígios. “Muitas ações surgem de tarefas não previstas no contrato ou da ausência de diretrizes para evitar assédio moral. Horas extras não registradas também são fonte comum de conflitos”, explica Samuel.

A psicóloga e analista comportamental Tatiana Miranda reforça que a falta de clareza também impacta o clima organizacional. “Quando alguns colaboradores passam longos períodos no celular e outros se sentem sobrecarregados, o problema não está na ação em si, mas na ausência de um padrão comum. Isso gera sensação de injustiça, mina a confiança e prejudica o engajamento.”

Para além da segurança jurídica, o regulamento interno é um “estabilizador emocional”. “Ambientes instáveis geram estresse e ansiedade. Quando todos sabem exatamente quais são suas funções e limites, surge um senso de justiça e colaboração. Isso fortalece a confiança e reduz conflitos interpessoais”, afirma Tatiana.

Segundo ela, as diferenças de personalidade tornam o tema ainda mais relevante. “Uma pessoa que valoriza autonomia pode se sentir sufocada com regras rígidas. Já quem busca segurança pode se sentir perdido sem orientação. O regulamento equilibra essas diferenças e cria um norte comum para a convivência.”

Como elaborar o regimento interno

Para Samuel, o processo precisa ser coletivo. “Não é apenas o jurídico que deve participar. RH, lideranças e áreas operacionais também precisam estar envolvidos, porque conhecem de perto as lacunas do dia a dia.” O documento deve ser aprovado pela diretoria e divulgado de forma ampla. “Não adianta ficar na gaveta. É fundamental que cada colaborador assine um termo de ciência, comprovando que conhece e compreende as regras”.

O regulamento também define critérios para sanções. “O ideal é aplicar medidas escalonadas: advertência verbal, advertência escrita, suspensão e, em último caso, justa causa. Em situações graves, a justa causa pode ser aplicada de imediato, mas sempre com razoabilidade”, explica o advogado.

Segundo Tatiana, clareza nesse processo reduz a insegurança. “Quando as regras são conhecidas, os colaboradores entendem que sanções não são perseguições pessoais, mas parte de um sistema justo de convivência.”

Para além da disciplina, o regulamento interno é uma ferramenta estratégica. “Ele reflete a cultura organizacional do dono ou da diretoria. Quando bem construído, evidencia valores, reforça planos de carreira e transmite a imagem de uma empresa estruturada e justa”, avalia Samuel. “As regras, quando comunicadas de forma clara e integradora, não são vistas como punição, mas como guia de convivência. Isso fortalece vínculos, reduz estresse e contribui para a retenção de talentos”, acrescenta.

Clareza como estratégia

Tanto a visão jurídica quanto a psicológica convergem: a clareza das regras é fundamental. Ela previne litígios, reduz estresse, fortalece a cultura organizacional e cria ambientes mais justos e produtivos. “O regulamento interno é, ao mesmo tempo, uma proteção legal e uma ferramenta de bem-estar. Empresas que o tratam como aliado estratégico colhem ganhos em confiança, engajamento e retenção de talentos”, conclui Samuel.