Hoje o blog traz artigo da professora Evelyn Orlando*, que apresenta um pouco do seu estudo sobre a questão da presença feminina em ambientes educacionais e no cristianismo. Acompanhe! (Imagem: Pixabay)
Se, por um lado, a relação que as mulheres estabeleceram com a educação e com a religião é não apenas visível, como essencial em seus muitos caminhos, suas histórias pouco são contadas e, quando são, articulam-se muito mais ao campo dos fazeres do que dos saberes.
Essa ausência, que nos soa como um negacionismo de suas existências, levou ao Projeto de Pesquisa Educação, Gênero e Cristianismo: circulação, representação, formação e práticas femininas em cenário religioso e educativo, financiado pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico – CNPq, em 2016. O financiamento da pesquisa permitiu que a mesma fosse constituída em rede com pesquisadores de diferentes regiões do Brasil e de Portugal, ampliando o conhecimento acerca da participação das mulheres na vida pública pelas vias da educação e da religião.
Nosso objeto central foi a relação entre educação e cristianismo, tendo como enfoque a ação das mulheres nessa mediação. Buscamos investigar a presença de mulheres e os vestígios de suas práticas em diferentes culturas religiosas, mobilizando diferentes registros, inclusive suas memórias como fontes históricas.
A pesquisa se desenvolveu a partir de frentes do cristianismo: catolicismo, protestantismo e sincretismo, com enfoque em trajetórias biográficas e práticas educativas formais e informais (estas, mediadas pelos impressos, festas, músicas, associações, cinema, dentre outros elementos culturais que funcionam em estreita relação com a educação).
Nas três frentes, os sujeitos privilegiados foram as mulheres e os modos pelos quais, individual ou coletivamente, se apropriam e reproduzem um conjunto de habitus religiosos nos diferentes espaços em que circulam em seus cotidianos.
Ou seja, interessava lançar luz sobre experiências de mulheres de diferentes matrizes religiosas cristãs e sincréticas, em temporalidades distintas. Mulheres de ontem que se fazem presentes até hoje de tantos modos, e mulheres de hoje que se farão presentes amanhã e depois.
No Brasil e em Portugal – lugares centrais dessa pesquisa –, pode-se dizer que as mulheres sempre desempenharam um papel de mediadoras religiosas e exerceram papéis formativos fundamentais em casa, na escola e em diversos outros espaços ainda pouco explorados na historiografia educacional de ambos países.
Buscamos, então, compreender a problemática da relação entre religião e mulheres, mediada pela educação. Nesse sentido, procuramos enfatizar personagens que, em seus cotidianos e em seus espaços de circulação, realizaram práticas educativas no sentido de (re)produzir uma cultura cristã. Seus modos de ação, os saberes que produziram, a circulação desses saberes nos provocaram a leitura dessas mulheres na dinâmica da ocupação do espaço público de modo legítimo e empoderadas.
As religiões cristãs, especialmente o catolicismo, o protestantismo e as experiências sincréticas entre as religiões afro-católicas, foram abordadas na pesquisa como fenômenos culturais carregados de sentidos e sensibilidades, frutos de experiências múltiplas e indicativas dos modos pelos quais os sujeitos participam da construção de suas identidades e do mundo em que vivem.
A educação, por sua vez, foi compreendida em seu sentido mais amplo. Não apenas os processos de educação formal, mas, sobretudo, os processos de educação não formal foram considerados, pelo sentido formativo que possuem e pela força que representam na constituição dos sujeitos.
A diversidade de experiências que surgiram no percurso da pesquisa foi riquíssima e abriu espaço para discussões até então um pouco sombreadas no campo da História da Educação, lugar de produção dessa investigação, sobretudo acerca do protagonismo feminino em diferentes frentes sociais. Além disso, compreender por quais caminhos as mulheres participaram na (re)produção de uma cultura religiosa nos levou a novas indagações sobre possíveis impactos desse papel para a construção de sua identidade e as repercussões que tal exercício teria desempenhado no processo de emancipação feminina. A invisibilidade das mulheres na História da Educação ou História das Religiões nada tem a ver com uma ação pouco visível nos contextos em que viveram e atuaram. Elas não apenas se estabeleceram no lugar da mediação cultural como produziram saberes e o fizeram circular de muitos modos, tendo suas ações alcançado diferentes públicos e gerações.
A presença invisível das mulheres no campo cultural e intelectual se constitui, portanto, como uma construção histórica, fruto de uma narrativa controlada, que seleciona seus sujeitos e tem reservado às mulheres, quando o faz, um lugar quase sempre às margens ou subalternizado. Essa forma de produção e organização de conhecimento, que traz apenas uma versão unilateral, impõe o risco da história única e nesse tipo de história as guerras femininas não são narradas.
Durante muito tempo, e ainda hoje, a narrativa histórica não tem rosto nem voz de mulher. Isso tem nos levado à reprodução de uma narrativa sexista e patriarcal, muitas vezes, pelas próprias mulheres. “Mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará.” (Chimamanda Adichie)
* Evelyn de Almeida Orlando é professora da Escola de Educação e Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Licenciada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e com pós-doutorado pela Université de Paris. Bolsista produtividade da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico do Estado do Paraná. Pesquisadora na área de História da Educação, Educação Católica; Impressos; Intelectuais e Gênero.