Se eu fosse poeta, bem poeta mesmo, escreveria sobre o barulho da obra aqui do lado do consultório. Quem sabe não transfomava o horror, o símbolo máximo de “minha gente, não cabe mais nada nessa rua não, nem nessa cidade, não cabe um prédio novo de não sei quantos andares, que vai ser feio, tenho certeza, não sei quantos apartamentos por andar, com sei exatamente quantos pouquíssimos metros quadrados por apartamento – parem, apenas parem”, pronto, eu transformava isso em poesia. Não era arretado, rapaz? 

Vê, hoje eu cheguei às 7h da manhã, já tinha trânsito. E se tinha trânsito já tinha buzina. Então vá somando aí, o bate-estaca do prédio + os gritos dos pedreiros para a manobra do caminhão girando cimento + o caminhão girando cimento + o motor do caminhão girando cimento + o motor dos carros e das motos + a buzina dos carros e das motos + o “tiru, tiru” da senha da recepção do prédio + o “tiiiiru, sobe”, tiiiru, desce” dos elevadores. Tu entende? Isso porque os moradores novos não chegaram ainda, cada um com seu carro cheio de buzina, cada um com seu carrinho de supermercado no supermercado, cada um com seu celular no último volume gritando Hello Moto – parece que vai mais um aninho de construção. Não chegaram eles, mas já chegaram os do prédio do lado esquerdo que ficou pronto ano passado. Eles e o resto do povo que já morava aqui e os que vêm fazer suas sessões de análise no prédio do consultório que tão fila falando como se a sessão já tivesse começado, e os que vão no super aqui da frente e o caminhão de reposição do super aqui da frente – piii piii piii quando dá ré. Às 7h da manhã, 7h da manhã. Agora pensa essa agonia todinha absolutamente organizada e silenciosa em um sonetinho, 14 decassílabos, 2 quartetos e 2 tercetos. Nossa, me deu até uma calma.

Ocorre que não sou poeta. Então é ficar sem poesia mesmo. Mas sabe o que me dá uma alegriazinha perversa? É pensar que quando esse prédio ficar pronto, os moradores bem descansadinhos (que a essa altura devem estar em alguma rua silenciosa ouvindo pássaro cantar) vão se mudar dando graças porque não ouviram um cimentinho girando enquanto a casa nova estava sendo construída. Só que, minha gente, o mundo não é esse toddynho gelado que eles tomam todo dia de manhã não. Tem duas casinhas do lado do super doidas pra virar prédio, vai começar tudo de novo. Eu vou ter que aguentar junto? Vou, mas… Mas nada. Pronto passou a alegria já. Boa semana aí pra quem não mora em São Paulo.