Schopenhauer

Não são poucos os filósofos, antigos ou modernos, que já refletiram sobre o quanto seria infeliz qualquer ser humano que possuísse uma grande sensibilidade ao sofrimento, ou fosse muito piedoso. Empatia, embora virtude extremamente valorizada, parece sempre capaz de induzir a imensas aflições, pois colocar-se no lugar do outro quase sempre é difícil.

Tudo aquilo que precisamos, ou pelo menos desejamos, normalmente vem de uma lacuna, de uma privação, ou seja, de um sofrimento; e a satisfação de uma necessidade frequentemente implica na criação de dez outras, desejo sucede a desejo, e nenhum contentamento é duradouro.

Parece haver preponderância da Vontade sobre o Intelecto, desde a origem da humanidade considera-se na história da filosofia que um ímpeto cego, a Vontade, não inteligente e não moral, prevalece, irracional inconsciente, sobre o racional. O predomínio do Id sobre Ego e Superego, na nomenclatura freudiana.

Vontade não é privilégio humano, como o sabe todo aquele que convive com animais, principalmente aqueles de maior estimação, que fazem predominar suas determinações sobre qualquer interesse de seus tutores. Mas ela não está presente exclusivamente nos animais, vegetais são também animados por forças e energias presentes na natureza; quem já observou o crescimento de plantas, em ambientes inóspitos e muitas vezes contrários a qualquer força vital, sabe que uma vontade absolutamente ilógica – ao menos do ponto de vista humano – rege seu crescimento.

Vontade é, portanto, uma espécie de motivo consciente que impele para a ação, mesmo que consciência não seja um de seus atributos essenciais, e ela opere de modo cego.

Assim foi criada a noção do Véu de Maya, conceito hindu em tudo correspondente ao mito da Caverna de Platão, ou seja, como princípio de individuação, que distingue um ser de outro, cai diante dos olhos e já não se fazer uma distinção entre “nós” e “os outros”, cada um tem a revelação do que compartilha com os demais, o mais íntimo e mais verdadeiro que nos obriga a participar das dores do outro como se fossem nossas, e nenhum sofrimento é estranho.

Vencer a ilusão de se considerar como um indivíduo separado do resto, e superar aquilo que chamamos princípio de razão, e por isso tirar o véu de Maya diante dos olhos é verificar o quanto é estúpida e irrefletida a existência que a maior parte dos homens leva, uma procissão de ideias triviais, produzindo atribulações ou tédios.

Budistas dizem que a única solução é a dissolução do “eu”, a entrada no Nirvana, mas aparentemente um bom caminho pode ser encontrado no aprimoramento do processo educativo, pois mais educação implica em maior conhecimento de si e do mundo. E a maioria das religiões partilha à sua maneira e com suas palavras desse conceito; o preceito cristão “ama ao próximo como a ti mesmo” entendido de modo amplo implica na renúncia ao que se poderia chamar vontade própria e na assunção da vontade coletiva, a que inclui o próximo.

O individualismo, que por princípio não aceita tais ideias, acreditando que a liberdade individual se sobrepõe a qualquer coletivo, é a filosofia prática do Ocidente. Em maior ou menor maneira diversos  países recusam soluções que possam interferir na escolha política, econômica, educacional ou outra qualquer, mesmo quando isso se prova inviável socialmente, caso por exemplo dos sistemas de saúde, que os americanos do Norte defendem que deva ser privado ao extremo, ainda que grande parte de sua população não tenha condições materiais para isso. Morrer às portas de um hospital por não ter condições de fazer frente a uma cirurgia ou tratamento de doença incapacitante não parece comover a esmagadora maioria dos norte-americanos, consideram isso uma contingência do insucesso profissional, ou preguiça, simplesmente.

Empatia versus egoísmo é luta inglória, embora os extremos entre esses dois comportamentos sejam encontrados na raça humana, oscilamos entre aqueles que chamamos “santos” e outros a quem denominados “monstros”. Conseguir o equilíbrio entre o desejo individual e as necessidades coletivas não é meta fácil de atingir.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.