O governo de Pequim jamais teve a intenção de cumprir integralmente o tratado que firmou em 1997 com Londres ao assumir a ilha de Hong Kong sob o princípio um país, dois sistemas e agora o Secretário-Geral Xi Ling Ping, 61 anos, mostra suas garras ao estabelecer regras que na prática bloqueiam o caminho democrático dessa Cidade-Estado que é um dos principais centros do capitalismo global. Espremida entre o mar da China e o rio das Pérolas, Hong Kong lembra o Rio de Janeiro e a Cidade do Cabo, com seus arranha-céus a acomodar 7,2 milhões de pessoas em apenas 1.104 km2, o que a torna uma das maiores concentrações populacionais do mundo, mas lhe assegura posições de liderança quando se trata de índices como de desenvolvimento humano (IDH), competitividade financeira, percepção de corrupção, livre comércio, qualidade de vida. Reconhecida como um paraíso fiscal graças aos baixos impostos e à liberdade de fluxo de capitais, vive hoje momentos de crescente tensão depois que o movimento estudantil Occupy Central with Love and Peace (Ocupação Central com Paz e Amor) foi para as ruas tomando os espaços de Admiralty, a região de maior concentração de shoppings e lojas de luxo entre o pico e o porto de Victoria.

É a promessa de eleições livres e universais em 2017, conforme o previsto vinte anos antes, que está ameaçada pela polícia, a qual se declara pronta para usar regras de Pequim e não as de Hong Kong. Assim como Macau, Hong Kong é uma RAE – Região Administrativa Especial com um governador escolhido por um comitê eleitoral de 1.200 membros. Uma vez que o atual chefe de estado local, Leung Chun-ying, defende as posições do Comitê Central do Partido Comunista, o movimento Occupy declara que só se desmobilizará quando obtiver a sua renúncia e a mudança de atitude de Pequim, em princípio dando-se por satisfeito se conquistar o direito de realizar uma eleição com o regime do sufrágio universal. No último verão o movimento chegou a organizar uma votação informal com três opções. A Aliança constituída por 26 partidos pró-democracia triunfou com 42% dos votos, mas a iniciativa foi ignorada pela direção do PC chinês, cuja proposta é de permitir dois ou três candidatos a serem autorizados por uma comissão com poder de veto constituída fundamentalmente por figuras que lhe sejam leais.

O histórico que cerca as revoltas regionais e populares na China desde a tomada do poder por Mao Tsé Tung não dá qualquer esperança de sucesso aos modernos ativistas do sul. O Tibet foi submetido em 1950 e desde lá o Dalai Lama é um líder exilado; um ano antes o exército vermelho invadiu o Turquistão Oriental dominando a atual província de Xinjiang; em 1989 Tiananmen, a Praça da Luz Celestial, tomada pelos tanques, assistiu ao massacre de milhares de manifestantes. Agora o governo considera, uma vez mais, que não pode ceder à pressão popular, pois isso poderia estimular outros focos de rebelião país afora. Não obstante, Hong Kong tem uma tradição distinta. Tornou-se uma colônia do império britânico em 1842 na sequência da Guerra do Ópio, chegou a ficar sob domínio japonês quando da Guerra do Pacífico, para em seguida retornar à Coroa e por fim à China em 1997.

Esta é a base para que participantes das passeatas em Admiralty como Kevin Chan, 48 anos, gerente de empresa, digam que o governo chinês deve perceber que é o povo que está nas ruas e não inimigos do regime. Este, no entanto, mostra-se cada vez mais preocupado com a marcha dos acontecimentos, por ora afirmando que confia na autoridade de Leung para lidar com o processo, ou seja, apoiando-o desde que submeta os súditos às suas ordens. Até quando terá paciência, não se sabe.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
www.mundoseculoxxi.com.br