PATRÍCIA BRITTO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério Público Federal recomendou ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o tombamento do pátio ferroviário das Cinco Pontas, no cais José Estelita, região central do Recife.
Na prática, o pedido poderá inviabilizar os planos do consórcio Novo Recife, que pretende erguer no local um complexo imobiliário com 13 prédios de 12 a 38 andares.
O cais José Estelita ficou conhecido nacionalmente em maio de 2014, quando manifestantes invadiram o terreno para impedir a demolição de antigos galpões abandonados, dando início ao #OcupeEstelita, movimento que ganhou a adesão até de famosos de fora do Recife. Desde então, as obras estão embargadas.
O movimento se assemelha ao de ativistas em São Paulo que querem impedir a construção de um empreendimento imobiliário para criar o parque Augusta, no centro da cidade. Nos dois casos, ativistas são contra a construção de espigões e defendem que área adquirida por empreiteiras seja destinada ao uso público.
No caso do Recife, os manifestantes se opõem ao projeto, pois afirmam que o novo empreendimento irá descaracterizar a paisagem do centro histórico da cidade.
No cais José Estelita funcionou a Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco, inaugurada em 1858, e ainda há antigos armazéns de açúcar.
O terreno pertencia à extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A). Em 2008, o consórcio formado por quatro empreiteiras, entre elas Queiroz Galvão e Moura Dubeux, adquiriu em leilão, por R$ 55 milhões, parte da área dos antigos armazéns, num total de 102 mil metros quadrados.
O consórcio prevê investimento de R$ 1,5 bilhão para o complexo, com dez prédios residenciais, um empresarial, um misto e um hotel.
Na recomendação, o Ministério Público argumenta que a área tem valores histórico, arquitetônico, arqueológico e paisagístico. Diz ainda que há “concreto e mais que iminente risco de perda, comprometimento irreversível e descaracterização” devido ao projeto imobiliário previsto.
Para a procuradora da República Mona Lisa Ismail, uma das autoras da recomendação, a área “foi essencial para a constituição física da imagem da cidade do Recife e dos bairros vizinhos”.
O Iphan recebeu prazo de dez dias úteis, desde a notificação, para responder se abrirá processo para avaliar a importância histórica, cultural e arquitetônica do local, visando o tombamento.
Questionado, o instituto não respondeu em qual data foi notificado (quando começa a contar o prazo). A recomendação do Ministério Público foi expedida em 12 de fevereiro.
Se o tombamento for aprovado, o consórcio não poderá realizar obras que alterem as características originais dos bens. As restrições valem mesmo para o tombamento provisório, a fase prévia de estudos.
Procurado, o consórcio Novo Recife afirmou que não iria se pronunciar sobre a recomendação de tombamento, pois não foi notificado.
OCUPE ESTELITA
Em maio de 2014, o consórcio Novo Recife deu início à demolição de armazéns de açúcar no cais José Estelita, o que levou ativistas a invadirem o terreno em protesto.
Os manifestantes armaram barracas no local e promoveram atividades para chamar atenção para a causa.
Em junho, os ativistas foram retirados pela Polícia Militar em uma reintegração de posse com uso de balas de borracha e bombas de efeito moral. Quatro pessoas foram detidas e três ficaram feridas.
A prefeitura entrou na negociação e elabora um projeto de lei para regulamentar o plano urbanístico da área.
Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento e Planejamento Urbano, Antônio Alexandre, o consórcio deverá reapresentar o projeto de acordo com as novas diretrizes urbanísticas.
O consórcio Novo Recife afirma que fez mudanças no projeto original para destinar 65% da área do terreno para uso público. Diz ainda que investirá R$ 62 milhões em ações mitigadoras, como recuperação de estruturas abandonadas.
Para a procuradora Mona Lisa Ismail, contudo, a reformulação do projeto não solucionou problema. Por isso ela considerou necessário o tombamento.
“Permanece a mesma sensação de barreira [visual] e de prejuízo à visibilidade do pátio. É uma construção totalmente desconectada com o casario que ainda”, afirmou a procurada.