O gerente de tecnologia da informação Raphael Sanches, de 28 anos, sempre viaja de avião usando milhas “É muito raro pagar uma passagem”, ostenta. Recentemente, foi uma vez aos Estados Unidos e três à Argentina sem desembolsar o valor do aéreo. Em maio, até os quatro dias de hospedagem em Buenos Aires foram pagos com pontos acumulados em programas de fidelidade.

México e Chile foram destinos recentes do securitário Fernando Alarcon, de 31 anos, com bilhetes aéreos trocados por pontos. Para a Austrália, foi preciso comprar 12 mil milhas para juntar às 65 mil acumuladas no cartão de crédito. Custaram R$ 800, valor vantajoso em relação ao mínimo de R$ 3,7 mil de uma passagem de ida e volta entre São Paulo e Sydney.

Histórias felizes assim colocam uma pulga atrás da orelha dos viajantes normais, que sonham com a tal passagem-prêmio e raramente — ou nunca — conseguem realizar o sonho. Ou seja, quase todos nós.

Segundo dados do Banco Central, 53,4 bilhões de milhas expiraram no ano passado por falta de uso — 24% do total arrecadado. O que é que estamos fazendo de errado? Qual é o segredo para juntar milhas e gastá-las bem?

“Acho que existem dois tipos de consumidores de milhas: os ninjas e os demais”, diz o colunista do Viagem, do jornal O Estado de S.Paulo, Ricardo Freire. “Os ninjas têm tino, talento e tenacidade para conseguir negócios da China em milhas. Aos demais, categoria na qual me incluo, resta aprender a não desperdiçar as milhas acumuladas e a gastá-las da forma mais esperta possível.”

Mudança — Uma boa notícia no mercado das milhas é que os programas de pontos têm se preocupado com “a liquidez da sua moeda”, na definição de Bruno Nissental, sócio do aplicativo de organização de programas de fidelidade Oktoplus. Ou seja: querem que os pontos de seus clientes sejam efetivamente convertidos em passagens e produtos — mais as primeiras que os segundos.


VEJA COMO TRABALHAR SUAS MILHAS

O que mais além de passagens posso resgatar com pontos ou milhas?
Atualmente, os principais programas de fidelidade oferecem a possibilidade de resgatar também produtos, como eletroeletrônicos, ingressos e material esportivo. É uma maneira de gastar os pontos que estão prestes a expirar, mas a razão entre o valor em pontos e o preço efetivo do produto costuma ser ruim. O outro grande negócio a se fazer com milhas é pagar o hotel. Por meio das parcerias com agências de viagens dos programas de pontos dos próprios cartões de crédito, é possível fazer cotações em várias redes hoteleiras e obter tarifas de hotel em pontos — muitas vezes, mais vantajosas

Posso vender milhas?
“Depende do contrato estabelecido pela companhia aérea. A maioria proíbe a venda”, diz a advogada do Idec Claudia Almeida. Mas o fato é que existe, sim, um mercado paralelo de vendas de milhas, com empresas que têm endereço físico, telefone e CNPJ, que compram os pontos e emitem, com eles, passagens para outros viajantes. O valor pode chegar a R$ 250 a R$ 300 por um pacote de 10 mil milhas

Como se compra milhas?
No site do programa de pontos em questão. O Smiles permite comprar até 40 mil pontos por ano nas categorias básicas de seu cartão fidelidade. O Multiplus estabelece limites e taxas de acordo com o perfil de cada cliente. Ricardo Freire, colunista do Viagem, recomenda cautela: “Faz sentido comprar 2 mil milhas para completar o necessário a uma passagem específica”, diz. “Mas e o risco de o assento desaparecer até as milhas serem creditadas?”. É uma questão a considerar

Qual é a melhor época para resgatar uma passagem?
A máxima do quanto antes, melhor, é a recomendação geral das empresas aéreas. O Oktoplus monitora preço de passagens em milhas e faz milhares de cotações todos os dias – por meio de tais pesquisas, concluiu que o resgate feito em até 90 dias antes da data do voo pode render economia de até 30% em pontos

Quando as milhas expiram?
No Multiplus e no Tudo Azul, os pontos valem 2 anos. O Smiles dá de 3 a 6 anos de validade. Quanto mais vip você é, mais suas milhas duram. Pontos cedidos como bônus em campanhas promocionais tendem a valer por menos tempo. O sócio do Oktoplus Bruno Nissental tem outra dica: “Pontos do cartão de crédito que estão no limite do vencimento podem ser transferidos para a companhia aérea, e você ganha mais dois a três anos para usá-los”. Ninja ou não?

Posso receber pontos de terceiros ou transferir os meus?
Os programas Amigo, da Avianca, e Tudo Azul, da Azul, vetam a transferência de pontos. Smiles e Multiplus permitem a transferência para outro associado do mesmo programa, com cobrança proporcional de taxa

É possível reativar milhas expiradas?
O Smiles permite reativar milhas vencidas nos 12 meses anteriores, com cobrança proporcional de taxa. Pontos Multiplus podem ser renovados por mais 2 anos, desde que tenham vencido num prazo de 180 dias, também com cobrança proporcional de taxa em pontos

Quais são os direitos do Consumidor?
“As empresas aéreas não são obrigadas a ter programas de fidelidade”, diz a advogada Claudia Almeida, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “Mas, se têm, então devem adequá-los ao Código de Defesa do Consumidor”, continua. Isso significa dar informações de forma clara e não mudar as regras durante o jogo. “Saiu no prejuízo? O caminho é o de sempre: com o máximo de comprovantes em mãos, como materiais de propaganda, procurar o Procon para uma tentativa de conciliação. Ou ir à Justiça – causas com valor de até 20 salários mínimos podem ser resolvidas no Juizado Especial Cível, sem necessidade de contratar advogado. Tudo isso, claro, para contratos firmados no Brasil

Como escolher o programa de fidelidade?
O programa de fidelidade sempre está vinculado a uma empresa. Considere a companhia com a maior rede de voos para os principais destinos aos quais você viaja

Posso fazer intercâmbio de milhas entre empresas aéreas da mesma aliança? E como funcionam, afinal, essas alianças?
As alianças aéreas internacionais – One World, Star Alliance e Sky Team são as três principais do planeta – são grandes redes de cooperação entre empresas, mas não operam planos de fidelidade próprios. Por isso, não existe a possibilidade de transferir pontos entre programas de companhias diferentes, mesmo que da mesma aliança

Sempre vale a pena perseguir as milhas?
Faça as contas sempre. Antes de aceitar um cartão de crédito mais vip, de status superior, considere o acréscimo na anuidade e o tempo que você levaria para conseguir pontos suficientes para a passagem que quer. Há casos em que sai mais barato pagar em dinheiro pelo bilhete aéreo, considera o professor de Finanças Fabio Gallo. Quanto ao cartão de crédito que você já tem, basta se inscrever no programa de fidelidade para acumular pontos com os gastos convencionais previstos no orçamento familiar. Se ainda não fez isso, você está desperdiçando pontos

Qual o custo de uma milha?
Assim como almoço, não existe passagem grátis – ou passagem-prêmio, no jargão do mercado. Você paga o bilhete com a sua fidelidade a um cartão de crédito, a uma rede de fornecedores ou a uma empresa – é essa fidelidade que recebe um valor, convertido em pontos. Quanto mais você gasta, mais pontos acumula. Leia as regras de cada categoria de passagem. No caso dos cartões de crédito, US$ 1 gasto (e pago) rende de 1 a 2 milhas, de acordo com o tipo de cartão. Segundo o presidente do Smiles Leonel Andrade, o balanço do primeiro trimestre de 2015 mostrou que uma milha do programa de fidelidade custou em média, no período, R$ 0,26. “Mas esse valor é muito dinâmico”, disse