Depois de quase dois meses vivendo na Alemanha – experiência que repito pelo segundo ano consecutivo – é chegada a hora de retornar ao nosso lindo e desorganizado Brasil. Pensando nos prós e contras, resolvi escrever algumas palavras parafraseando a música de Oswaldo Montenegro, pois é realmente este o sentimento.
Ao andar pela Alemanha, a pé ou de carro, podemos observar todos os rios e córregos de água potável, muitas árvores e nenhum lixo nas ruas e estradas. Para um país pequeno e densamente povoado, é a demonstração que a ocupação urbana não é sinônimo de poluição e sujeira.
Ao voltar para o Brasil, onde o lençol freático está poluído e temos muito lixo pelas ruas e bosques – mesmo numa cidade como Curitiba, pensar neste cenário é desanimador. Volto porque metade de mim é vontade de continuar contribuindo para um país mais sustentável, mas a outra metade é cansaço.
Durante estas semanas na Alemanha, pude ver como funciona o trânsito – onde o pedestre e o ciclista são respeitados – e a questão da reciclagem – todos levam suas garrafas, latas e embalagens pets ao supermercado, que dá o destino correto aos materiais.
Voltando ao Brasil: temos Curitiba, que é considerada unanimidade limpa e organizada, porém a cidade separa apenas 20% dos resíduos sólidos e, para transportá-los, utiliza de mão de obra de “catadores”, quase um trabalho escravo. Além disso, ao andar pelas ruas, é frequente encontrarmos lixo, embalagens de pet e alumínio pelo chão, em córregos e valetas. Por que voltar? Porque metade de mim acredita que podemos evoluir, já a outra metade perdeu a esperança.
Voltar a este Brasil mergulhado na corrupção, na má qualidade e completa incompetência na gestão pública, onde ser político é sinônimo de picaretagem e safadeza. Por que? Porque metade de mim é vontade de lutar, a outra é sossego e paz.
Voltar para as pessoas que me esperam, que gostam de mim, me respeitam e muitas vezes precisam de mim, da minha garra, experiência e vivência, pessoas que conquistei e pelas quais me sinto responsável. Porque metade de mim é amor, a outra metade é indiferença.
Voltar a um país que tem as maiores oportunidades, tem tudo para ser feito, mas a burocracia e a falta de visão e de futuro dos agentes públicos tornam a vida do empreendedor um verdadeiro inferno – onde este indivíduo não tem direitos e é tratado pelo poder público e seus agentes como bandido. Voltar porque metade de mim é garra, a outra me diz que já fiz minha parte.
Voltar a um Brasil com um povo honesto, trabalhador e dedicado, porém servido por lideranças corruptas, interesseiras e individualistas; um país onde a malandragem virou sinônimo de roubalheira. Voltar porque metade de mim é expectativa, a outra é desesperança.
Depois de trabalhar por 40 anos e construir uma vida profissional de sucesso e respeitada, trabalho dedicado a deixar um país melhor para meus filhos e netos, percebo que eles terão que continuar a luta, pois vejo que não obtive sucesso em tal empreitada. Voltar porque metade de mim é crença, a outra metade é descrença.
Sair de um país onde não existem muros, condomínios fechados, onde é possível andar pelas ruas a qualquer hora sem ser assaltado e chegar no nosso Brasil, onde precisamos andar de carro blindado e temos inúmeros desocupados e viciados dormindo pelas marquises, onde outros tantos “cuidadores de carros” querem apenas uns trocados para a próxima pedra de crack. Voltar porque metade de mim é medo, a outra metade é pavor.
Mas volto, pois na minha vida preciso de uma guerra para lutar, não tenho vocação para “pendurar as chuteiras”. Acredito que a vida só tem sentido em função da luta diária por um país melhor. Se não podemos ou não temos a oportunidade para grandes contribuições, devemos e continuaremos a contribuir no nosso pequeno mundo, nos nossos negócios, com as pessoas que conquistamos, para juntos melhorar a vida e as condições ao nosso entorno. Voltar porque metade de mim é luta, a outra metade é esperança.

Ademar Batista Pereira é empresário, educador, diretor da Fenep (Federação Nacional das EscolasParticulares) e autor de dois livros: Filhos na Escola Integral e Pérolas Infantis (Editora Inventa)