SYLVIA COLOMBO, ENVIADA ESPECIAL
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O personagem de Otto Pérez Molina, 64, é conhecido dos guatemaltecos há pelo menos trinta anos. Nesse período, o atual presidente do país centro-americano conquistou seguidores, foi peça-chave do acordo de paz que encerrou a guerra civil em 1996, protagonizou aventuras cinematográficas como a primeira captura do narcotraficante Joaquín “Chapo” Guzmán em 1993, recebeu acusações de assassinatos e violações de direitos humanos de grupos indígenas e se transformou no primeiro ex-militar a assumir a presidência da Guatemala, em 2012.
Para alguns, a possibilidade de que agora enfrente um impeachment -processo viabilizado pela retirada da imunidade do presidente por parte do Congresso, na terça-feira (1º)- soa como algo justo e que veio tarde.
“Pérez Molina é, pura e simplesmente, um criminoso. E muita gente sabe disso há anos. É a encarnação humana de todo um conceito de governo mafioso que vem administrando a Guatemala por décadas”, disse à reportagem o escritor americano-guatemalteco Francisco Goldman, professor do Trinity College e colaborador da revista “New Yorker”.
Com Goldman parecem concordar as centenas de milhares de pessoas que lotaram as ruas das principais cidades do país para pedir sua saída do governo. Os protestos se iniciaram em maio, quando surgiram acusações de que o presidente e outros membros do governo estavam envolvidos num escândalo conhecido como “La Línea”, e que resultou no desvio de 50% das verbas aduaneiras do país. Depois, surgiram novas acusações, relacionadas a propinas que retiraram altas somas de recursos do sistema de saúde.
Mas nem sempre Pérez Molina foi visto como um grande vilão. Em 1983, foi um dos apoiadores do ministro de Defesa Oscar Meijia quando este organizou um golpe para derrubar o ditador Efrain Ríos Montt, que foi condenado por genocídio e crimes contra a humanidade.
Já em 1993, o mesmo ano em que ficou famoso por liderar a operação que prendeu, em território guatemalteco, o mais conhecido narcotraficante do México, o “Chapo” Guzmán, Pérez Molina também ajudou a forçar a saída do presidente Jorge Serrano, que havia dado um auto-golpe.
A passagem de Pérez Molina pelo Exército, porém, tem também zonas cinzentas e ainda pouco conhecidas. O atual mandatário integrou o grupo dos “kaibiles” -um comando de elite do Exército, conhecido por usar a violência de modo desenfreado.
Atualmente, grupos de defesa de direitos humanos tentam, por meio de denúncias, iniciar processo por seu envolvimento em ações de contra-insurgência que teriam causado a morte de mais de 200 mil camponeses, a maioria de origem maia.
Entretanto, ao final da Guerra Civil (1960 a 1996), Pérez Molina estava entre os integrantes da ala militar que queriam uma saída negociada para o conflito.
Em 2000, o atual presidente deixou o Exército e fundou o Partido Patriota, de direita conservadora, pelo qual tentou eleger-se, em 2007, sem êxito. Na votação seguinte, em 2011, obteve 54% dos votos.
Seu discurso de campanha foi o da linha-dura contra o crime e contra as ações dos cartéis mexicanos em território guatemalteco.
Aumentando os gastos com reforço de policiamento, os índices de homicídios baixaram, de 41 por 100 mil habitantes, em 2010, para 38,6, no ano passado. Ainda é alto, mas para os padrões da região, representa um avanço.
Ainda nesta gestão, Pérez Molina lançou o programa de assistencialismo “hambre cero” (fome zero), aos moldes do brasileiro. Colheu também os bons resultados com relação ao investimento estrangeiro, que vem aumentando desde o fim do conflito.
“Somos a maior e mais estável economia da região, e com crescimento constante. O fato de que temos o desafio de urbanizar e modernizar o país está também por trás dessas manifestações. Por isso as pessoas acham difícil aceitar a corrupção. A Guatemala cresce, mas a injustiça ainda é muito grande”, diz o economista Quique Godoy.
Outro destaque da gestão de Pérez Molina “foi a defesa da abertura do debate sobre a legalização das drogas, que levou a fóruns regionais, como a Cúpula das Américas, em 2012, na Colômbia”, diz à Folha o analista argentino Juan Tokatlian, da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires.
Já para Goldman, a retirada da imunidade de Pérez Molina pelo Congresso marca um momento de transformação no país.
“O povo guatemalteco manteve a pressão de maneira pacífica, decidida e unida. Eles forçaram o Congresso, cuja maioria de legisladores também é corrupto, a votar como votaram. Há um longo caminho adiante, que não vai ser fácil, mas que é promissor”, resume.