SILAS MARTÍ SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nunca uma caixa d’água foi tão assustadora. Quando escreveu “Guerra dos Mundos”, clássico da ficção científica, H. G. Wells imaginou alienígenas com um corpo arredondado equilibrado sobre três longuíssimas pernas elásticas. Eram monstros capazes de pulverizar terráqueos com raios mortais mesmo com seu bizarro aspecto de cisterna raivosa.

Mas os marcianos inventados pelo britânico ficaram ainda mais ameaçadores nos traços de um artista brasileiro. Henrique Alvim Corrêa, carioca que vivia na Bélgica, criou as ilustrações definitivas dos bichos da distopia de Wells na virada para o século 20. Seus 31 desenhos ilustraram há 110 anos a edição francesa do livro. Querendo acentuar o horror das criaturas do romance de 1898, Wells desafiou leitores a criar a visão mais mortífera dos invasores da Terra, e Alvim Corrêa logo fez chegar a ele seus bichos enormes, ostentando um corpanzil que parecia de lata e olhos bem arregalados.

Na visão do brasileiro, a capacidade dos marcianos de chupar o sangue das vítimas também ganhou contornos barrocos, com visões de manchas escarlates espalhadas pelo mobiliário das cenas. Todo esse horror agora pode ser visto ao vivo nas gravuras e em cinco desenhos originais de Alvim Corrêa em “Ulla, Ulla, Ulla, Ulla”, mostra em cartaz na galeria Casa Nova que foi batizada com o som dessas naves marcianas. Mais de perto, esses desenhos ganham outra voltagem. “Não existia ainda a configuração de um marciano”, diz Jane de Almeida, que organiza a mostra.”E essa tem detalhes impressionantes.” Ou mesmo cinematográficos, como a perspectiva dos monstros vistos de baixo para cima, agigantando ainda mais as figuras.

Esse dado, aliás, não deixa dúvida sobre o fato de que inspiraram Steven Spielberg quando o cineasta levou para as telas a obra de Wells no blockbuster lançado há dez anos, o mocinho vivido por Tom Cruise aparece driblando os raios nervosos dessas caixas d’água marcianas em enquadramentos muito semelhantes. “O Spielberg assumiu que se baseou nesses desenhos para fazer o filme”, diz Almeida, acrescentando que o cineasta chegou a comprar grande parte deles, os que sobraram agora pertencem a herdeiros do artista e estão à venda na galeria paulistana.

De acordo com Almeida, essa é a segunda vez que a série de ilustrações de Alvim Corrêa para o clássico de Wells é vista no país. A primeira foi na década de 1970, quando Pietro Maria Bardi decidiu mostrar esses traços assustadores no Masp, surpreendendo também um público mais acostumado a ver Monet, Cézanne e Picasso no museu da avenida Paulista. Rodeados agora de obras de artista contemporâneos, os desenhos de Alvim Corrêa mantêm sua potência mais de um século depois de criados, ancorando uma seleção de trabalhos de artistas como o angolano Kiluanji Kia Henda, consagrado como ponta de lança do chamado afrofuturismo, e do bizarro artista suíço Olaf Breuning.

ULLA, ULLA, ULLA, ULLA

QUANDO: de seg. a sex, das 11h às 18h; até 5/11

ONDE: Casa Nova, r. Chabad, 61, tel. (11) 2305-2407

QUANTO: grátis