Em meio à crise econômica pela qual passa o Brasil, os tradicionais presentes de final de ano dado pelas empresas aos seus clientes e parceiros têm, naturalmente, baixado de patamar. Foi-se o tempo em que cestas de Natal recheadas de guloseimas, garrafas de vinho e whisky eram distribuídas a torto e a direito. Ainda assim, ‘presentes e entretenimento’ são temas que permeiam o trabalho de um profissional de compliance com bastante importância.
Entre empresas privadas esse é um assunto geralmente bem resolvido. Já faz alguns anos que companhias de maior porte estabeleceram regras claras sobre a distribuição e o recebimento de presentes por seus funcionários. Boa parte delas permite o recebimento de brindes sem valor comercial, como agendas e cadernos, mas veda ou estabelece limites de valores para os presentes de maior valor. Consequentemente, essas empresas também evitam oferecer brindes de valor significativo ou que possam ser percebidos como extravagantes pelos programas de compliance de seus clientes e parceiros comerciais.
E quando a relação envolve um agente público? Onde há um programa de compliance efetivo, certamente encontram-se rígidas restrições sobre a oferta de presentes para funcionários públicos. Onde não há, graves são os riscos da falta de bom senso resultar em problemas para a empresa.
Um bom exemplo é o caso dos presentes de aniversário oferecidos pela Odebrecht aos ex-ministros Geddel Vieira Lima e Jaques Wagner (ambos da Bahia, estado natal da Odebrecht), que vieram a público num dos inúmeros vazamentos dos acordos de delação firmados entre executivos da empreiteira e o Ministério Público. Fossem ministros na ocasião em que receberam tais agrados (relógios de luxo), ambos seriam obrigados a devolver as peças, sob pena de violação das regras estabelecidas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal, que veda o recebimento de presentes de valor superior a R$ 100. Só que os presentes foram ofertados enquanto Geddel era deputado federal e Wagner, governador do Estado da Bahia.
Para um servidor que não esteja sujeito a um código como este receber um presente de alto valor pode não representar, a princípio, um problema de ordem legal, assim como para a empresa que o concedeu. E é aí que as coisas começam a ficar embaçadas.
A não ser em uma situação na qual o presente tenha sido dado como retribuição, ou na clara expectativa de se obter um benefício ilegal do servidor, o gesto não pode ser enquadrado como ato de corrupção ou crime. Nos dois exemplos citados, até onde a vista alcança, os presentes teriam sido dados como um sinal de amizade da empreiteira para com os políticos.
Só que ninguém fica rico rasgando dinheiro. Quando uma empreiteira, que mantém contratos bilionários com o setor público, dá para políticos poderosos como presente de aniversário um Patek Philippe ou um Hublot isso tende a ser mais do que um sinal de admiração e apreço pela pessoa em si. Atos como esse são logicamente interpretados, no mínimo, como uma lembrança de que a amizade tem um preço e que os amigos não devem ser esquecidos, seja nos momentos de dificuldades seja, especialmente, na obtenção de facilidades.
Ainda que, objetivamente, o ato não seja ilegal, na plena aplicação da expressão lawful but awful” (ao pé da letra: legal, mas horrível), trata-se de uma óbvia questão de conflito de interesses e, mais ainda, de uma completa falta de bom senso e razoabilidade nas relações entre agentes públicos e privados, o que só reforça o quão surreal é o quadro político brasileiro.

Marcio El Kalay é sócio e diretor de novos negócios da LEC (Legal, Ethics & Compliance). Formado em Direito pelo Mackenzie, é especialista em processo civil e mestre em ciências jurídico-forenses pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Conta com passagens pelos escritórios Tozzini Freire, Salusse Marangoni e Puerto Henriques