Por Beto Madalosso

As casas viraram nossas concorrentes. É sim. Tem muito dono de restaurante que ainda ta assim, meio tonto, dando a volta no quarteirão, olhando pro lado, espiando por cima do muro pra saber onde foram os seus clientes. Pode desistir, eles não estão no restaurante do vizinho. Eles estão em casa. Eles estão cozinhando, preparando a própria comida em seus espaços gourmets para grupos de 10, 20, 30, 50 amigos. Usam utensílios de ultima geração, muitas vezes muito melhores do que aqueles que nós usamos em nossos estabelecimentos.

Isso é uma novidade? Sim e não. Não é de hoje que as pessoas se reúnem em casa. Acontece que há algum tempo – falo de 10 ou 15 anos atras – essas reuniões se limitavam ao redor da churrasqueira. Era assim: o cara sapecava uma picanha com um pão de alho na grelha e a esposa preparava a salada de maionese, tudo regado à uma Skol 600 ml ou, para os “entendidos”, uma original faixa azul. A cozinha era um aparato essencialmente funcional, um quebra galho, praticamente um estorvo que ocupava espaço precioso da casa. As facas eram ruins e sem fio e as panelas, de tão precárias, viviam retorcidas por não agüentar o calor.

Os tempos mudaram. Hoje em dia não há condomínio vertical ou horizontal que não venha acoplado de um belo espaço gourmet. Salas amplas, fogões mais caros que carros do ano, cheias de penduricalhos que amassam, picam, descascam, fatiam, moem e decoram as criações dos “chefs por um dia”. E ai de voce se aparecer pedindo uma Skol. Skol não harmoniza com mais nada nesse mundo, amigo. Assim como todo mundo virou chef, todo mundo virou sommelier. Para o ceviche, uma weatbeer, para a sobremesa uma porter bem alcoólica. Tudo meio chato demais, meio repetitivo demais, meio maria vai com as outras demais. Bom, deixa essa parte pra lá, outra hora eu meto o pau na turma que cheira rolha.

O que quero falar agora é que o fenômeno da gourmetizacao penetrou todos os lares e está engolindo nossos clientes como se fossem canapés trufados com pitadas de flor de sal. É uma espécie de economia colaborativa mais informal que a própria economia colaborativa, onde todos se encontram e dividem a conta do empório bêbados no final da noite. Pior que isso: quando não dividem saem dizendo “a próxima é lá em casa”, e lá se vai mais um grupo que poderia comer nesse ou naquele restaurante.

A culpa tambem é minha, eu sei. Gravei muitos programas de culinária e dei muitas dicas de temperinhos e receitinhas da Nonna para revistas especializadas (ou não). Estimulei o cozinheiro domestico. Dei palestras. Criei uma espécie de dono de restaurante amador, que vive reclamando dos preços dos restaurantes mas que não entende absolutamente nada de gestão. Só serve pra atrapalhar. Normal, eu faço o mesmo nas minhas horas livres, tambem cozinho nos espaços gourmets e aprecio cerveja artesanal – só não cheiro rolhas. Alias, isso não é uma lamentação, é apenas uma constatação: assim como raias de piscina e aparelhos de musculação dentro de casa concorrem com academias, os espaços gourmets concorrem com nós. A diferença é que malhar você malha sozinho e comer, comer é sempre em bando. Debandaram!

Se meu objetivo não é reclamar, por que, então, escrevo tudo isso? Porque eu acabo de entender que se eu quiser ter vida longa no ramo de gastronomia não basta sair por aí construindo restaurantes, é preciso ir alem. É preciso saber quando e como entrar na casa dos meus clientes. E não estou falando de entregar uma pizza, mas de fazer parte do seu preparo, seja atraves de livros, ingredientes, ou ate mesmo indo cozinhar aí, no seu fogao. Abra a porta que eu quero entrar.

 

 

* Beto Madalosso é empresário, formado em Administração e pós-graduado em Economia. Cursou Gastronomia em uma das principais escolas de ensino profissional do País. Começou atuando no restaurante da família, o Madalosso – uma grande indústria da área gastronômica, em que operou em áreas como RH, financeiro, atendimento, marketing e gastronomia. Hoje dirige alguns restaurantes próprios e faz consultorias na área.

 

 

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