curitiba-1

Então o carro derrapou e em segundos um encouraçado preto voava praticamente sobre nós, zum. Graças a Deus pudemos voltar para a direita, de onde eu não deveria ter saído. Na minha cabeça, minha inabilidade em ultrapassar numa curva com chuva havia sido o motivo de quase matarmos aquele motorista, que felizmente, milagrosamente, conseguiu subir com o carro na barreira de cimento e voltar ao asfalto praticamente intacto.

Até abaixei o vidro para pedir desculpas, mas ele não me olhou. Continua em frente, sugeriu meu marido. Um tanto enfaticamente, devo dizer. Para ele era até pretensão me creditar a autoria daquele forrobodó viário.

Aqui entra uma possível continuação com tons de autoajuda: mulher ao volante. Em? Duvido que não venha à cabeça o resto do “provérbio”, coitado de Salomão chamar isso de provérbio, mas vá lá. Nada disso, dirijo bem. Porém eu mesma, hoje, me irritei com um carro da frente e gritei, como faço quase todos os dias (com os vidros fechados): “vaaaai, mulher!” Mea culpa.

Outro parágrafo desse texto poderia falar de como os quase acidentes nos fazem valorizar mais a vida, sem falar na vidinha das crianças no banco de trás, felizmente presas em cadeirinhas que há 30 anos não existiam. Mas também me parece que não havia essa sanha do motorista em não ser deixado para trás. Comer poeira é a nova humilhação máxima, dirigem – dirigimos – como loucos. Olha os índices de acidente aí para comprovar. Dar a vez é para os fracos?

Mas esse texto exige all the news fit to print, conforme o slogan do New York Times. Toda crônica apta a ser postada.

Então de volta ao tema central, autora. Mulher.

“The Post”, chorei. As páginas saindo na rotativa, a duras penas a matéria que advogados e banqueiros não queriam.

Pois agora, pensando no filme, além do saudosismo pelo jornalismo das grandes reportagens que moldaram o entendimento sobre a liberdade de imprensa, fica a forte impressão criada por Meryl Streep no papel da publisher Katharine Graham, do Washington Post. Ocupando um cargo que, nos anos 1960, grande parte dos homens e mulheres julgavam inapropriado para ela, refletiu em angústia durante dias antes de tomar uma decisão importante e publicar papéis secretos do governo norte-americano. Uma decisão acertada, conforme decisão favorável ao jornal na Suprema Corte.

Hoje, tantas décadas depois. O papel da mulher no trabalho, a questão de sua presença no mundo, vai além da justa contestação por aqueles 30% a mais de salário. Os 30% que elas, nós, perdemos em relação aos homens, de acordo com pesquisas abrangentes.

Dói qualquer ato público em que não há mulheres. Por que não as há?

A questão da maternidade, o direito a querer cuidar dos filhos por si mesma. O direito a querer, porque necessário, trabalhar e sabê-los bem cuidados, ou de trabalhar menos para cuidar mais.

Tantas barreiras faltam ser transpostas, tantas vidas afetadas diariamente por essa questão.

Vai, mulher! Perdão por te achar temerosa no trânsito. Obrigada se você é mais prudente, continue assim. Vai, anda, avance sobre os seus sonhos e acredite em seus talentos. Não recorra à agressão, ironia, enfim, enfoque mais o seu trabalho do que os atentados contra ele. Vai! Vamos.