
‘O Divino Baggio’, filme sobre a carreira do ex-futebolista italiano Roberto Baggio, foi lançado recentemente na Netflix. Independente da bola que jogou (e foi muita bola), Baggio ficou mais conhecido no Brasil por ter errado o último pênalti contra a seleção brasileira na final da Copa de 1994. Com o erro dele, o Brasil foi campeão. Mas o filme suscita outra pergunta sobre o futebol brasileiro: por que não se faz filmes biográficos com jogadores brasileiros?
Falta de craques não é. Ninguém no planeta produziu mais jogadores de primeiro nível que o Brasil. Freidenreich (‘El tigre’, o primeiro craque brasileiro), Leônidas da Silva (inventor da jogada chamada “bicicleta”), Domingos da Guia, Zizinho, Ademir de Menezes, Djalma Santos, Didi, Gilmar, Nilton Santos, Zagallo, Gérson, Rivellino, Tostão, Carlos Alberto, Leão, Zico, Falcão, Sócrates, Taffarel, Dunga, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Cafu, Marcos, Kaká e diversos outros. Ou jogadores não tão bons, mas que tinham um lado folclórico forte, como Dadá Maravilha ou Jacozinho. Até Felipe Melo daria um bom filme. É um grande personagem.
No Brasil, poucos ganharam filmes biográficos (não vale documentário). Entre eles, está Garrincha (‘Estrela Solitária’), baseado num livro do escritor Rui Castro, e Heleno de Freitas (‘Heleno’, com Rodrigo Santoro no papel principal). E, claro, Pelé. ‘O Nascimento de uma lenda’ fala do primeiro título mundial da seleção brasileira (em 1958) tendo Pelé com protagonista. Mas é uma produção norte-americana, o que explica o alto número de erros históricos e o tom maniqueísta.
Filmes biográficos em geral trazem a vida do personagem fora da atividade que o tornou suficientemente famoso. Trazem suas agruras e suas dificuldades, com sucessos e insucessos, até o momento de gloriosa catarse que em geral encerra o filme. Todos aqueles jogadores citados acima têm biografias que se encaixam nesse perfil, basta escolher o recorte da vida deles.
‘O Divino Baggio’ não foge a essa regra. Começa com a questão do pênalti perdido por Baggio na final da Copa. Mas, antes que o pênalti seja em si mostrado, o filme volta no tempo e apresenta Roberto Baggio, ou Roby, como um entre oito irmãos que disputam a atenção de um pai eternamente imerso no trabalho em uma oficina. Uma das cenas iniciais é extremamente peculiar: os irmãos contam ao pai o que fizeram durante o dia. Todos relatam situações triviais, como “liguei para o fulano”, “pintei a cerca”, “consertei tal coisa”. E Roby dispara: “Assinei com a Fiorentina”. Muita coisa para quem tinha 18 anos e jogava num time da terceira divisão italiana.
O forte do filme não é o lado do futebol, e sim o lado humano. Como já havia adiantado Silvio Rauth Filho em sua análise sobre o filme, Roberto Baggio espelhava nos treinadores a relação conturbada com o pai. Mas cada treinador, claro, age de um jeito. ‘O Divino Baggio’ acerta ao focar este lado humano, menos conhecido numa carreira futebolística bastante conhecida e reconhecida. E nesse sentido a escalação do ator Andrea Arcangeli também foi um acerto. A interpretação até pode ser alvo de críticas, mas sua semelhança física com o craque – principalmente nas tomadas em que ele está de perfil – não deixa dúvidas: é Roberto Baggio quem está ali. Sempre pronto para superar as dificuldades, como perder um pênalti decisivo em final de Copa do Mundo.
E fica a dúvida? Por que não há mais filmes sobre craques como Baggio?