Foi difícil dormir naquelas 24 horas, da notícia do avião desaparecido até a confirmação do resgate do último corpo. Naquele avião estava Caio Júnior, com quem convivi por algum tempo como colega de imprensa, depois como técnico bem sucedido, aquele que deu ao Paraná Clube a chance de jogar uma Libertadores. Estava Mário Sérgio, responsável pela montagem de dois dos melhores times da história do Atlético, 2004 e 2001, o campeão nacional depois da saída dele com a histórica frase, Ou o Atlético acaba com a noite, ou a noite acaba com o Atlético. Estavam Cléber Santana, Sérgio Manoel, Gil, Danilo, Lucas Gomes e Dener, além dos sobreviventes Neto e Alan Ruschel, todos com passagens pelo futebol paranaense. Estavam colegas da Fox, RBS e das rádios de Chapecó, gente que como a gente percorre o Mundo pra relatar o que acontece em campo. Ficarão as lembranças e boas histórias. E algumas outras coisas pra pensarmos no futuro.

A tese da economia porca
Não haverá dúvidas quanto aos culpados por esse acidente, que já não pode ser mais chamado de tragédia; cada vez mais fica claro que foi irresponsabilidade. A tese de momento, a ser confirmada pelas caixas-pretas, é a da economia porca. O tanque não teria sido reabastecido por uma questão de economia, tal e qual quando você leva o carro na banguela. Chega a ser inacreditável que tantas famílias tenham perdido seus entes por conta disso. Semanas antes, o Coritiba recusou os serviços da mesma companhia, operando vôo direto por um pouco a mais. Estava corretíssimo em sua escolha.

No ambito desportivo…
Existe uma onda de solidariedade pelo futuro da Chapecoense, e ela é muito justa, muito necessária. Real Madrid e Barcelona doarão a renda do Superclássico desse final de semana para o clube, que precisará destinar esse dinheiro às famílias das vítimas, a maioria construindo a carreira. Fala-se em ajuda de todos os clubes na cessão de atletas para a Chape para a próxima temporada, com salários pagos. Outra medida acertada, se acontecer, um gesto de grandeza e solidariedade. Como seria aproveitar o momento e discutir a redistribuição das cotas de TV. A Chapecoense precisa de ajuda não só pelo acidente, mas também porque é sufocada pelo sistema do futebol brasileiro hoje. Todos a admiramos exatamente por ser um foco de resistência. Ela não precisa de esmolas, precisa de fortalecimento. Clubes irão preferir equilibrar as receitas ou dar um dinheiro da renda de jogos, como um paliativo?

Fortalecer para sobreviver
Da mesma maneira, falam em um salvo-conduto para o rebaixamento, de forma em que a Chapecoense não cairia de divisão por algum tempo. Seria um erro. Clubes de futebol existem para competir e é desta forma que a Chape irá se reerguer: competindo e escrevendo sua história. Com ajuda dos pares sim, mas sem esmolas. Não cair implica em mexer em toda a dinâmica do campeonato e, sem hipocrisia, não haverá equilíbrio com um franco-atirador no Brasileirão. Além disso, conhecemos nossos cartolas. Como confiar numa cláusula antiqueda se um Flamengo da vida estiver na linha de tiro? Também não é correto dar o título da Sul-Americana 2016 para a Chape, mas sim dividi-lo, uma vez que não poderá ser disputado – e isso perdeu qualquer valor agora. Dividir porque o Atlético Nacional é tão merecedor quanto, e demonstra isso. Mas também porque há interesses de outros clubes. Os colombianos, que ficariam sem a vaga extra na Libertadores, ou os argentinos, com interesses feridos da mesma forma, sem culpa em nada. Convide-se a Chape pela divisão da taça e ela terá o título e um calendário justo para 2017, quando tentará reiniciar a vida. Nem sempre o correto é o mais bonito, diga-se.

Napoleão de Almeida é narrador esportivo e jornalista especializado em gestão