Prof. Rossi reflete: a indiferença dilacerante ressuscita Caim todos os dias. (Imagem: Pixabay)

Faz mais de um ano que vivemos uma situação caótica provocada pela pandemia. Não somente o tecido social se encontra fragilizado, mas, também, o próprio ser humano se percebe completamente indefeso e frágil fisicamente bem como emocionalmente. E, a fragilidade humana fez com que emergisse a indiferença em relação ao outro. São mais de 250 mil brasileiros que morreram antes do tempo por conta do coronavírus. Qual a minha responsabilidade diante do caos que bate ás nossas portas diariamente?

Quando Deus perguntou a Caim onde estava seu irmão Abel, ele respondeu com outra pergunta: “Por acaso sou eu o responsável pelo meu irmão?” Sim, é claro que somos responsáveis uns pelos outros. A pergunta de Caim aponta o caminho da fuga e da falta de responsabilidade. Sim, somos responsáveis porque o bem-estar dos nossos irmãos e irmãs depende do que fazemos ou do que deixamos de fazer. Não vivemos isolados na sociedade e a vida não é uma ilha que nos isola de tudo e de todos.

O problema da indiferença
A pergunta de Caim parece servir como uma capa atrás da qual nos escondemosindiferença. Não enxergamos o próximo como uma possibilidade de agirmos de forma bondosa, amigável solidária e responsável. Talvez vejamos nos outros um inimigo e numa sociedade em que o individualismo é festejado, a solidariedade se torna produto exibido em museus. O que mais me assusta é o pouco valor dado à vida do outro. A indiferença nos acomoda à frieza e leva a demonstrar completa falta de empatia por aqueles e aqueles que vivem e convivem nos mesmos espaços.

A indiferença dilacerante ressuscita Caim todos os dias. Ele continua vivo em cada um de nós diariamente quando o vemos refletido no espelho. Caim não morreu! Ele se apresenta todas as vezes que não agimos solidariamente; todas as vezes que negamos o bem-estar aos outros ressuscitamos Caim. Por isso, ele está mais vivo do que nunca nas famílias, nas escolas, nas igrejas, nas empresas, no relacionamento entre vizinhos. A imagem de Caim nos espreita sorrateiramente todos os dias. Através de nossas ações o alimentamos e o convidamos a permanecer diariamente em nossas casas. Caim não morreu e não morrerá enquanto prolongarmos no presente uma ação que deveria servir apenas como uma vaga lembrança.

A importância do cuidado
Quais as razões pelas quais deveríamos cuidar uns dos outros? Essa é a pergunta que revela a essência de Caim em nós e o próprio erro de Caim. Afinal, quando pedimos as razões pelas quais deveríamos cuidar uns dos outros estamos, simultaneamente, renunciando à nossa responsabilidade e, consequentemente, deixamos de agir moralmente.

Mas por que deveríamos cuidar uns dos outros? A única resposta que me vem à mente é porque o cuidado nos torna mais humanos. Tornamo-nos mais humanos – e nos distanciamos de Caim – quando assumimos responsavelmente a vida do outro como se fosse a nossa própria vida. É a responsabilidade pelo outro que me faz um ser ético.

 

* Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi é docente de Sagradas Escrituras na PUCPR.