Uma reflexão à luz do Evangelho do XVII Domingo do Tempo Comum. (Imagem: Pixabay)

A liturgia católica do último domingo está marcada por uma mudança: até o domingo retrasado líamos o Evangelho segundo Marcos, nos próximos domingos, leremos o Evangelho segundo João. Mais especificamente, o capítulo VI desse Evangelho.

Em João, não nos encontramos com a narração da instituição da Eucaristia na última ceia de Jesus com seus discípulos. O grande texto eucarístico do Evangelho é o capítulo VI, introduzido pelo sinal dos pães seguido pelo longo discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da vida.

Concentremo-nos no sinal dos pães, leitura da liturgia católica de domingo passado. Em primeiro lugar, não temos em João nem a palavra poder, força ou obra usadas para designar uma ação de Jesus, como tão pouco a tradução latina milagre. Sinal é algo que nos remete a uma realidade maior, superior. Qual é essa realidade no relato do evangelho de hoje? O Reino de Deus, onde não haverá fome por falta de pão e Ele enxugará as lágrimas de nossos olhos (Ap 21,4).

Jesus ao tomar os pães de cevada, apresentados a ele por um meninos, deu graças (eucharistíes). A ação de graças (eucharistía) é pela partilha do Pão da vida, que é Jesus, e o pão da vida, com o qual nos alimentamos no dia a dia. Partilhar o Pão da altar se converte em uma exigência para partilhar do pão do dia a dia.

Uma Igreja eucarística é aquela que, por partilhar o Pão do altar, sabe partilhar o pão do dia a dia. As comunidades são convidadas a partilhar, talvez o pouco que tenham, com aquelas e aqueles que nada têm. Uma Igreja eucarística, nesse sentido, se torna comunidade profética que denuncia o acúmulo egoísta em tempos neoliberais.

Denunciar os abusos daqueles que seguem à risca a cartilha neoliberal, como o Sr. Ministro da Economia, não é coisa de “esquerdopata”, é tarefa cristã. Vivemos tempos, nos quais o acúmulo de riqueza por aqueles que muito têm é sumamente valorizado pelos que possuem o poder econômico e político. A propósito, não partilhar os bens públicos, como as empresas estatais que o Sr. Ministro tanto quer privatizar, é uma ação concreta de acúmulo de riqueza – os bens do povo passam para as mãos de poucos milionários.

É uma vergonha que durante a pandemia de covid-19 os pouquíssimos milionários, quando não bilionários, brasileiros tenham ficado mais ricos, enquanto milhões são novamente empurrados para a fome e a miséria. Na tradição judaico-cristã, o que vivemos hoje tem nome: chama-se pecado. O acúmulo de riquezas, sim, é pecado! Não vivemos em um mundo eucarístico, vivemos em um mundo pecaminoso.

Dois bilionários, um inglês e outro norte-americano, passearam pelo espaço nos últimos dias. Muitos aplaudiram a façanha… Façanha verdadeira acontecerá quando mulheres e homens, crianças e idosos tiverem pão, todos os dias, para seu sustento. Infelizmente, não vivemos em um mundo da partilha, vivemos em um mundo do acúmulo.

 

* Pe. Matheus S. Bernardes é presbítero da diocese de Campinas e professore de Teologia na PUC-Campinas.