Neste 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra, num país em que o feriado não é nacional e o racismo é estrutural (Imagem: Pixabay)

Embora acreditemos que Deus se encontra em nossa diversidade comum, não sejamos tolos: o racismo está presente em nossa sociedade e em nossas igrejas, templos, movimentos, pastorais… Por alguns, é chamado “pecado”. Outros o qualificam de “comportamento inadequado”. Há ainda quem o denomine “crime”. 

Vejam bem, a Teologia nos diz que somos criados à imagem e semelhança de Deus. Se ativamente amados por Deus, devemos respeitar, acolher, incluir e amar todas as pessoas assim também criadas, sem parcialidade. Então, compactuar com o racismo é, para toda pessoa religiosa, tríplice problemática: um pecado, uma ação inadequada e um ato criminoso.

Racismo no âmbito religioso é algo que desafina, não é de bom tom. Por essa razão, qualquer líder religioso que o incentive, deve ser apontado à lei dos homens – e no findar da vida, que Deus se encarregue do restante.

Já superamos nosso passado mesquinho teológico, e mais do que nunca, o racismo não tem lugar em nossa comunidade científica, pois todo teólogo é chamado a amar ao próximo e a cuidar do bem comum, sem exclusões. “Ah, não sejamos ingênuos… Sabemos que não somos imunes ao racismo”, se comenta por aí. De fato, o racismo é uma questão histórica. Mas chega de desculpas. Precisamos lutar mais, fazer mais, debater mais.

Às vezes, não é só a cor da pele que expressa uma necessidade de cuidado, mas também muitas expressões religiosas multiculturais afros que são enormemente mal interpretadas, distorcidas, acuadas. Isso ocorre em todo o mundo e também aqui no Brasil. Seja no campo social, seja no aspecto religioso.

O multiculturalismo e o racismo brasileiro de cada dia

Antropólogos e historiadores concordam que a característica marcante de nossa cultura brasileira é a riqueza de sua diversidade, resultado de nosso processo histórico-social e das dimensões continentais de nossa territorialidade. O patrimônio cultural do nosso país é constituído de uma enorme diversidade através da cultura herdada de outros povos, como a arte, a culinária, a religião, o folclore. Da África, temos muitas contribuições nesse sentido, especialmente sua religiosidade – tantas vezes marcada de acenos pejorativos em nosso país.

Quando chegaram em terras brasileiras, os portugueses, por não conseguirem convencer os indígenas a trabalharem do nascer ao pôr-do-sol e sem paciência de esperar mais tempo para convencê-los, optaram por trazer os africanos para o árduo trabalho. Afeitos ao trabalho duro, com o consentimento tácito da Igreja e dos missionários, que não tiveram o mesmo empenho em defender o africano como defenderam o índio, iniciou-se o período de escravidão no Brasil. Assim, a religiosidade africana precisou se curvar às impostações do cristianismo vigente; foi questão de sobrevivência.

Embora nosso país seja internacionalmente elogiado pelo seu multiculturalismo, debates sobre a integração da pessoa negra ao longo de nossa história sempre são pauta nas universidades, em lives, na imprensa… E surgiram nas últimas semanas, especialmente após o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, novas discussões importantíssimas sobre o tema do racismo e pautas afro-religiosas, sociais, econômicas, antropológicas.

Elas revelam que a crueldade da escravidão na América não se restringiu apenas à corporeidade e ao trabalho escravo: a violência contra a pessoa negra prossegue em nosso sistema social de maneira sutil, seja nos empecilhos ao acesso à educação, no preconceito para ingresso no mercado de trabalho, no acesso à assistência à saúde, no modo  desinteressado que se retratam as religiosidades e culturas africanas.

Consciência negra contra o racismo inconsciente

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado todo dia 20 de novembro. Foi criado em 2003, mas somente em cerca de mil cidades do país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e no Maranhão é feriado. A data faz alusão ao dia da morte do líder negro Zumbi dos Palmares, em 1695, sendo considerado um importante passo de nossa sociedade para suscitar o debate sobre o racismo, a discriminação, a desigualdade social, a inclusão de pessoas negras na sociedade, a religiosidade e cultura afro-brasileira como um todo.

Hoje é dia da Consciência Negra. Precisamos ser mais conscientes e coerentes da contribuição histórica da religião e suas fundamentações para a condição atual da pessoa negra. Somos fruto de uma Teologia que precisa, e muito, realizar uma reparação histórica e espiritual a milhares de povos dizimados em nome de Deus, e que hoje padecem ante uma fé de muitas palavras, mas poucas efetivas obras. Fazemos parte de um país riquíssimo em cultura, mas pobre em respeito aos povos que compuseram nossa identidade. O dia da Consciência Negra é prova disso: seu feriado não é nacional e o racismo por aqui é velado e estrutural.

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 * Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções.