Morte e vida Severina, famosa obra de João Cabral de Melo Neto, parece ter saído da literatura para a realidade, revelando a atual faceta social de um Brasil em pandemia. (Imagem: Pixabay)

 

Não é nada fácil descrever um dia de vida milhões de brasileiros e brasileiras. Uma grande parte do nosso povo vive em condições inadmissíveis de existência. O número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou em um milhão por ano de 2015 a 2018. Hoje são 13,5 milhões (6,5%) de pessoas na miséria no país. Atualmente, o número de pessoas que vivem no Brasil com renda per capita inferior a R$ 145,00 mensais equivale à população de países como Portugal, Grécia, Bélgica e Bolívia. Os parâmetros usados para definir o que é linha de pobreza têm como base o valor de US$ 5,5 (aproximadamente R$ 22,00) por dia, adotado pelo Banco Mundial para identificar pobreza em países em desenvolvimento. Os dados do IBGE mostram que o Brasil tem 25,3% da população nessa condição, o que equivale a 52,5 milhões de pessoas. Outros 6,5%, o equivalente a 13,5 milhões de pessoas, estão na linha de extrema pobreza – aqueles que têm renda de até US$ 1,9 (aproximadamente R$ 7,70) por dia, de acordo com o Banco Mundial.

Enquanto o país como um todo avança, deixa em seu rastro a fome que salta aos olhos dos empobrecidos e a dor que bate forte no estômago. De um lado avançamos e de outro regredimos. Talvez até mesmo avancemos em consequência da miséria de muitos. Em novo do desenvolvimento construímos periferias para alojar os considerados sobrantes que teimam em viver entre nós!

Em nosso país de dimensão continental, vemo-nos à volta com problemas de ordem e dimensão universais: fome, racismos, intolerância, latifúndios, etc. Se somos um país de dimensão continental, muito maior e elevado à enésima potência é a pauperização do povo. Contudo, maior deveria ser o empenho de todos na busca por justiça e inclusão social

Dessa forma, o indivíduo nasce e já adquire, ainda pequenino, o título de subcidadão. Seus pais precisam trabalhar quase que o dia todo, impedindo o contato mais íntimo com a sua subfamília. Nas horas da refeição, quando há, a criança é a mais privilegiada, pois os seios de sua mãe ainda não secaram e, assim, algumas sobrevivem da subnutrição.

A casa, de pau a pique, chão batido, sem energia elétrica e esgoto que corre a céu aberto, indicam a submoradia de uma subfamília que vive amontoada em dois subcômodos. Melhorar de vida nem passa pela cabeça. Apesar de serem trabalhadores incansáveis, são frutos do subemprego: os filhos no mercado informal, vendendo ora aqui e ora ali entre os carros parados nos semáforos enquanto o pai, subempregado numa grande empresa, recebe o salário mínimo. E do submercado de trabalho e sua consequente subremuneração é natural que surja uma subestimulação e, quando isso acontece, dizemos que os pobres trabalhadores são preguiçosos, ladrões e vagabundos.

Da mesma forma não há como estudar. Por isso, a melhor opção é se matricular na escola da vida. Assim a subeducação vai se formando e construindo ao redor de si uma considerada subcultura dos sobrantes da sociedade. Na verdade, tal família, que é o paradigma da família brasileira, vive num submundo e precisa se sujeitar a uma subvida.

Diante da situação descrita acima é precisa negar a neutralidade e assumir uma posição. Assumir o compromisso de transformação da realidade e priorizar o cuidado do ser humano, principalmente os mais vulneráveis, aqueles que são expropriados de sua dignidade. Por isso, é necessário colocar um ponto final na proliferação da subvida e estabelecer os pilares que permitam o restabelecimento da dignidade de todos e todas e de uma sociedade em que caibam todos e todas.

 

* Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi, doutor em Ciências da Religião, é professor de Sagradas Escrituras na PUCPR.