Após as eleições, é importante acompanhar se as propostas e ações do seu candidato correspondem aos motivos que te fizeram votar nele (Imagem: Pixabay) 

Você deve estar cansado de ver tanto político se usando de discursos religiosos para tentar se eleger. Alguns defendem seus valores religiosos com tanta arguição, que acabam se esquecendo que vivemos num Estado laico, e que antes de se professar a fé, no campo da política, é imprescindível falar em projetos, propostas de gestão e ter coerência entre o que se fala e o que se pratica. E se engana quem pensa que isso ocorre somente no Brasil. Este comportamento é antigo e ao mesmo tempo atual – veja, por exemplo, o que ocorreu nas últimas eleições americanas… Há séculos assistimos à existência pessoas ligadas ao exercício do poder, fazendo uso da religião para assegurar seus valores pessoais ou mesmo de grupos ao qual pertencem, subjugando os demais.  

O fato é que isso não é crime e não é proibido. E muitos políticos se usam desse direito, utilizando-se do discurso religioso para se eleger. Assim o fazem, por compreenderem que a fé ainda é um valor para muita gente. Contudo, suas posturas devem ser analisadas com muita cautela. Caso trabalhem em prol de suas bancadas, haverá posições e interesses por trás disso, que deverão contribuir para a manutenção social de suas perspectivas de valores prometidas aos eleitores – e quem deve fiscalizar isso é o próprio grupo que o colocou no poder.

Contudo, se assim o fazem no mero intuito de explorar o aspecto do Sagrado de seus eleitores, incorrem em comportamento inadequado. Infelizmente, muitas vezes tais discursos não passam de uso indevido da fé em nome do desejo de poder, ou seja, de voto. Fazer a junção entre política e religião toca os ouvintes no sentido de esperança, de resposta às suas crenças, de valores pessoais, de ingenuidade, de desejo por soluções e algum tipo de justiça social… 

O viez da teológico para compreender a sociedade

A evolução dos relacionamentos humanos e também da ciência ocorre diariamente; e a Teologia também é uma ciência – e não uma religião. E enquanto forma de saber, ela pode colaborar na análise de tudo o que se impõe a um ritmo de desenvolvimento e de exigência pessoal pesados ao homem. Nossa cultura de produção e de consumo têm cada vez mais reduzido o ser humano de protagonista a mero coadjuvante nas relações sociais, o que o encaminha para vivenciar o drama de pensar que é livre, mas paradoxalmente constatar em seu quotidiano que praticamente não o é.

E a tarefa da Teologia é justamente essa: analisar e buscar soluções para esse tipo de enfrentamentos, nos quais muitas vezes líderes religiosos e pseudo-crenças arrastam seus fiéis por meio de interesses variados, que refletem o desejo de poder. À medida em que o acúmulo de conhecimento e, consequentemente, o acesso a bens variados tornou-se alternativa para a sobrevivência, o homem conduziu-se a um processo de submissão ao “ter” em detrimento do “ser”, o que gradativamente o sentenciou à perda de sua identidade, ao vazio, à dificuldade de compreender seu valor e a razão de sua vida, como bem temos trabalhado ao longo de nossas postagens aqui no blog.

Tal crise certamente é uma oportunidade de reflexão, com a possibilidade de compreender que o estudo da Teologia enquanto ciência pode ser uma importante alternativa para se conhecer os meios e também a razão de viver que está presente na essência de todo ser humano. A finalidade da Teologia não se restringe apenas ao conhecimento da fé, mas observar a vida em sociedade e suas relações diversas com a religião.

Possibilidade de reflexão 

Mesmo que seja uma ciência universal, pautada sob a luz da Revelação, a Teologia pode contribuir para que o homem compreenda muito mais do que isso. Por meio dela, podemos aprofundar nossa reflexão sobre o sentido de nossa existência e de atuação em todos os outros campos de saber e também de desenvolvimento científico.

Obviamente, será por meio de seu uso ético, crítico, com rigor, com precisão e com exatidão de sua forma científica que o homem poderá aprender a ser capaz de romper com a cultura de desconhecimento do Transcendente e de sua razão no mundo, abrindo-se à verdadeira sabedoria. E esta, por sua vez, o ajudará a reescrever os rumos de sua própria história e dos demais campos de atividade em que se lança.

Ou seja: fazer Teologia não é simplesmente falar ou discursar sobre Deus, ou sobre Cristo ou sobre a Bíblia, ou mesmo sobre fé. Ela procura descobrir a relevância, o sentido, o significado para hoje da comunidade de fé e analisar as questões referentes à tudo aquilo que a circunda, como a educação, a ciência e também a política. 

Por quê tantos políticos usam a religião para se eleger?

A resposta é simples: para ganhar votos. Mas, fiquemos atentos: discurso religioso não deve ser termômetro para se votar. O que deve estar em jogo é a proposta de campanha do candidato em prol de toda a sociedade, e não interesses particulares. Criar divisões e intolerâncias, especialmente no campo da política, muitas vezes pode ser também crime, especialmente se o foco está em menosprezar ou agredir a algum grupo diferente em específico.

A fé não pode ser utensílio para se usar da boa vontade, da “boa fé” de quem se identifica com um determinado candidato. E quando a Teologia observa isso, ela cumpre com seu papel político também, denunciando as muitas formas de abuso em nome de Deus. Após as eleições, é importante que todo cidadão acompanhe se as propostas e ações do seu candidato eleito correspondem aos motivos que o fizeram escolhê-lo. Só assim estaremos vivendo a verdadeira democracia.

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Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções.