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Monitoramento de Reserva Natural (Foto: Gabriel Marchi/Divulgação SPVS)

A SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), que atua há 40 anos em defesa da conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, acaba de finalizar um projeto que envolveu a coleta de sementes, a produção e o plantio de 165 mil mudas nativas do Bioma. Em termos de diversidade, foram mais de 80 espécies da flora plantadas em áreas naturais estratégicas do litoral do Paraná, mais especificamente nos municípios de Antonina e Guaraqueçaba.

O trabalho foi feito no âmbito do Projeto Biodiversidade e Mudanças Climáticas na Mata Atlântica, realizado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) do Brasil, coordenador das ações, no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, no âmbito da Iniciativa Internacional de Proteção ao Clima (IKI) do Ministério do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Construção e Segurança Nuclear da Alemanha (BMUB).

Por meio do uso de diferentes técnicas de restauração ecológica foram plantadas uma média de mil mudas por dia, com o objetivo de dar início a um processo de restauração de 886 hectares – equivalente a quase mil campos de futebol. Desse total, 655 hectares passaram pelo processo de enriquecimento florestal, enquanto 231 hectares de áreas abertas receberam técnicas de plantio direto de mudas e estaquia – promoção do enraizamento de parte de uma espécie arbórea para consolidação de uma nova árvore.

Enquanto que no primeiro caso as áreas em estágio médio de conservação receberam mudas de espécies secundárias tardias mais nobres da Mata Atlântica, com a finalidade de enriquecer e melhorar ainda mais a qualidade das áreas em termos de biodiversidade – como Juçara, Guanandi, Guamirins e Canelas, – no segundo, espécies pioneiras de crescimento rápido – como Ingá-vermelho, Ingá-branco, Maricá e Capororoca – foram plantadas nas áreas abertas com presença de braquiária, uma espécie exótica invasora que ocorre na região. O sombreamento que as mudas plantadas promovem, especialmente o Ingá-vermelho, é capaz de exterminar a braquiária, cujo crescimento e a proliferação, estimuladas pelo sol e pela água, comprometem diretamente o desenvolvimento das espécies nativas da Mata Atlântica.

Nas áreas úmidas também invadidas por braquiária, foi utilizada a técnica de plantio com estacas de caxeta, espécie muito explorada no passado e com grande adaptação em locais úmidos. Para isso, foram coletados galhos de cerca de dois metros de áreas onde a espécie é mais abundante, que foram fincados nos solos encharcados. Uma das únicas formas de se recuperar este importante ambiente.

A braquiária foi introduzida no território antes da década de 1990 para servir de pastagem para búfalos, que eram criados em territórios antes ocupados por florestas, mas que foram desmatados. A segunda maior causa de perda de biodiversidade no mundo são as espécies exóticas invasoras, ficando atrás somente da destruição direta de habitats pela ação do ser humano.

“A braquiária chega a crescer de dois a três centímetros por dia no verão, e se alastra de uma forma muito rápida, portanto, retirar a espécie para que as nativas possam se desenvolver é necessário. Conseguimos isso a partir do cultivo de espécies que façam o sombreamento. É um processo trabalhoso, e que exige estratégia”, conta Reginaldo Ferreira, gestor das Reservas Naturais da SPVS.

Natasha Choinski, analista de processos ambientais na SPVS diz que, os esforços de restauração promovidos nas Reservas Naturais proporcionam mais diversidade aos ambientes florestais. “Quanto maior o estágio de conservação destas áreas maior a capacidade para gerar serviços ecossistêmicos, como água, alimento, polinização, entre outros, todos, muito importantes e essenciais para a nossa vida”, diz.

Além da equipe fixa de colaboradores da SPVS, moradores das comunidades do entorno foram contratados para trabalhar durante a vigência do projeto. Dentre eles, filhos das pessoas que trabalharam nas Reservas Naturais da SPVS assim que elas foram criadas. “É uma região de alto índice de vulnerabilidade social. E essa oportunidade representa também uma contribuição importante para a melhoria da qualidade de vida deles”, diz Reginaldo.

A preocupação com a qualidade da atuação dos envolvidos nas diferentes etapas dos trabalhos também foi uma constante. Em dois anos de projeto, foram promovidas pela equipe do projeto quatro capacitações envolvendo as temáticas dos processos de restauração ecológica, sistemas agroflorestais e tecnologias voltadas à restauração. Todos os eventos ocorreram no Centro de Educação Ambiental da SPVS, o CEA, localizado na Reserva Natural Guaricica, e tiveram participação de colaboradores da SPVS, técnicos, estudantes, instituições ambientais parceiras e da comunidade do entorno.

Esses atores também participaram de um workshop, que relacionou o tema da cadeia produtiva da restauração com o contexto da Grande Reserva Mata Atlântica, o território onde as reservas da SPVS ficam localizadas. A Grande Reserva é um território que reúne três milhões de hectares de Mata Atlântica nativa, localizado entre os Estados do Paraná, o sul de São Paulo e o norte de Santa Catarina. A área é um importante patrimônio natural, cultural e histórico e um valioso e singular destino de turismo de natureza, nacional e internacional. Foram mais de 150 pessoas capacitadas pelas oportunidades.

Uma história em construção

No final da década de 1990 a SPVS adquiriu mais de 19 mil hectares de área, que vêm sendo recuperados até hoje a partir de um amplo conjunto de ações. São décadas de trabalho para a conservação das Reservas Naturais da SPVS. Duas delas – a Reserva Natural Guaricica e a Reserva Natural das Águas – ficam em Antonina. Nelas estão localizados os viveiros para a produção das mudas relacionadas ao projeto. Já a Reserva Natural do Papagaio-de-cara-roxa, fica localizada em Guaraqueçaba, também no litoral do estado.

Parte das três reservas foram transformadas em RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), uma categoria de Unidade de Conservação (UC), que, por Lei, garante a proteção perpétua das áreas, que são incorporadas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Nessas áreas também estão instalados dois sistemas de captação de água que garantem o provimento do recurso para o município de Antonina e para comunidade da Ilha Rasa, localizada em Guaraqueçaba. As RPPNs contribuem, ainda, para a geração de recursos financeiros para as cidades, que são direcionados a serviços e benefícios sociais. Em 17 anos, entre 2005 e 2022, Antonina, por exemplo, já recebeu quase R$ 40 milhões de recursos do ICMS Ecológico oriundos de duas Reservas Naturais da SPVS para serem direcionados às áreas, principalmente, de Saúde e Educação do município. Por lei, no mínimo 25% do total dessa arrecadação deve ser aplicada na Educação e 15% na Saúde.

A Reserva Natural da SPVS presente em Antonina que mais garante arrecadação de ICMS Ecológico para o município é a Reserva Natural Guaricica, em razão do tamanho: quase nove mil hectares – o equivalente a mais de nove mil campos de futebol. Até 2022 foram arrecadados, graças à sua existência e à qualidade de gestão aplicada pela SPVS, R$ 27.524.408,63. A Reserva Natural das Águas, com mais de três mil hectares, direcionou o valor de R$ 9.737.089,67 à prefeitura. A soma das duas totaliza R$ 37.261.498,30. Dos 73 milhões de reais recebidos no período do estado do Paraná por Antonina em função de suas áreas naturais bem preservadas, portanto, quase 52% do total veio de duas Reservas Naturais da SPVS. O cálculo leva em conta valores informados pelo IAT, o Instituto Água e Terra, do governo do Paraná.

“O que foi feito até hoje mudou o destino da região, mas, como o trabalho de conservação da biodiversidade é constante, é importante ter em mente que é uma história em construção”, destaca Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS.

O diretor também recorda que foi o conceito de “Produção de Natureza”, que norteia os esforços da Grande Reserva, que também conduziu as diversas etapas do projeto. “A ideia é a prova de que, a partir da boa conservação, da proteção dos recursos naturais, da cultura regional, da história de toda uma região, é possível gerar empregos, renda, melhorar a qualidade de vida das pessoas e perpetuar a provisão de serviços ecossistêmicos, que são os serviços que a sociedade recebe direta ou indiretamente da natureza”.

O projeto “Mata Atlântica, das encostas às áreas alagadas: restauração ecológica em RPPNs do Mosaico Lagamar – Paraná”, que teve início no último semestre de 2022 e foi conduzido pela equipe da SPVS até março de 2024, portanto, é a continuação desse esforço de regeneração das áreas, iniciado há mais de três décadas. “O processo de restauração de áreas é longo, complexo e exige muito conhecimento, planejamento e qualidade de operação em todas as etapas”, completa o diretor.

As etapas do processo de restauração e a captação de carbono

O processo de restauração de áreas envolve diversas etapas. Depois da análise da paisagem e da definição das estratégias a serem utilizadas, é feita a marcação das chamadas “árvores matrizes” nas melhores áreas em termos de conservação que as Reservas da SPVS possuem. Essa estratégia é importante para que as sementes que vão originar as mudas tenham as melhores características e qualidade genética.

Depois, é feita a fase de beneficiamento das sementes, armazenamento, semeadura e acompanhamento das mudas até o crescimento adequado para que sejam plantadas, após ultrapassarem, no mínimo, os 40 centímetros de altura. Na sequência, é preciso, ainda, monitorar como vai o desempenho das mudas. Um sistema chamado ‘viveiro web’ auxilia a equipe neste controle e gestão. Com ele, é possível ter a rastreabilidade de todo o processo de produção, que pode levar até um ano e meio. É muito importante que a equipe conheça muito bem as espécies a serem utilizadas no processo de restauração, já que cada uma tem uma função dentro do ecossistema.

Ricardo Miranda de Britez, biólogo e especialista técnico do projeto destaca que, à medida que a floresta vai sendo restaurada e as árvores vão crescendo, elas também vão capturando carbono. “Em dez anos, são 20 toneladas de carbono por hectare de floresta que são retirados da atmosfera. A partir de 30 anos, 50 toneladas de carbono por hectare, e este volume de estoque tende a aumentar de acordo com o amadurecimento da floresta. Quanto mais avança o processo de restauração, maior o volume de carbono retirado da atmosfera. Essa floresta que foi plantada hoje, e será cuidada diariamente daqui em diante, está em processo de restauração e assim continuará por 80, 100 anos, até que consiga chegar em um estágio maduro”, conclui. Do total, 720,8 hectares de vegetação foram transformados em áreas de RPPNs, que são Unidades de Conservação, e 165,5 hectares em regiões do entorno.

Agrofloresta

Além disso, um hectare (ou dez mil metros quadrados) com finalidade demonstrativa, foi transformado em Agrofloresta – o sistema de produção agrícola, que combina o cultivo de variados alimentos para consumo e comercialização com o plantio de árvores e arbustos de espécies nativas. Foram implantadas seis pequenas unidades produtivas agroflorestais, com foco em espécies frutíferas da Mata Atlântica, incluindo a Palmeira-Juçara, Uvaia, Grumixama e Araçá. Para este trabalho, mão de obra local foi contratada e diversas pessoas da comunidade foram capacitadas para trabalhar com essa técnica de produção sustentável em suas propriedades.

Rodrigo Condé, engenheiro florestal e consultor da SPVS explica que a Agrofloresta considera quatro componentes para ser desenvolvida: agrícola, florestal, econômico e humano. “No caso do modelo demonstrativo de agrofloresta desenhado pela SPVS, elas são compostas de alimentos agrícolas tradicionais como mandioca, inhame, feijão, milho e banana, frutas nativas da mata atlântica e árvores nativas que são usadas para adubar o sistema. As pessoas também são muito importantes nesse processo. Ao longo do projeto, foram feitas capacitações para comunidades do entorno virem conhecer o projeto e, quem sabe, o implantarem em suas propriedades. Conseguimos sair das fronteiras das reservas e trabalhar com agricultores parceiros, e isso foi uma vitória para a equipe. O que desejamos, é que o projeto seja referência para aplicação em outras regiões da Mata Atlântica, para ações em maior escala e que as frutas nativas possam ser conhecidas e consumidas pela população brasileira”, projeta Rodrigo.

Uma história em imagens

Para contar a história de cada etapa do projeto, e celebrar o fechamento do projeto, uma série de vídeos chamada “Restauração Ecológica” foi disponibilizada no YouTube da SPVS. São seis episódios, que trazem informações sobre cada momento do trabalho e valorizam as pessoas envolvidas em todas as etapas. Para assistir, clique aqui!

Sobre a SPVS

Desde 1984, a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) realiza ações voltadas à proteção do patrimônio natural no sul do país. É hoje considerada uma das mais representativas organizações especializadas no tema da conservação da biodiversidade no Brasil com foco no bioma Mata Atlântica, e suas atividades apresentam grande afinidade com a inovação e busca de atendimento a prioridades no campo da conservação.

Sobre o FUNBIO

O FUNBIO é uma organização da sociedade civil privada, sem fins lucrativos, criada em 1996 com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e por iniciativa do governo federal para apoiar a implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica. Tem extensa experiência na gestão de projetos e de ativos financeiros oriundos da cooperação internacional, de doações do setor privado e de obrigações legais do setor empresarial brasileiro. O FUNBIO não trabalha com recursos do orçamento público brasileiro. Em 2015, foi acreditado como agência implementadora nacional do GEF e, em 2018, como agência do Fundo Verde do Clima (GCF). Desde 2018, adota as políticas de salvaguardas sociais e ambientais da Corporação Financeira Internacional, IFC. Tem sede no Rio de Janeiro e escritório em Brasília.

Sobre a Grande Reserva Mata Atlântica

A Grande Reserva Mata Atlântica é uma iniciativa voluntária que reúne diversos atores – públicos, privados, não governamentais e da academia – que, juntos, promovem ações de desenvolvimento regional com foco no turismo de natureza dentro do maior remanescente de Mata Atlântica do mundo, com cerca de 3 milhões de hectares de ambientes naturais conservados, localizado entre os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Esta área é considerada um importante patrimônio natural, cultural e histórico, e a iniciativa visa promover este rico território como um destino de turismo de natureza, reconhecido nacional e internacionalmente.

Texto escrito por Claudia Guadagnin, assessora de imprensa da SPVS.